63ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 6. Arquitetura e Urbanismo - 1. Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo
Os IAPs e a “futura cidade residencial”: as tendências de elitização de um bairro industriário (NATAL, 1946-1963).
Iran Luiz Seabra Souza 1,3
Luiza Maria Medeiros de Lima 1,3
Angela Lúcia Ferreira 2,3
1. Bolsista IC/ PIBIC/CNPq
2. Profa. Dra./Orientadora
3. Depto. De Arquitetura, UFRN
INTRODUÇÃO:
Em 1946, Luís da Câmara Cascudo escrevia em seu livro “A História da cidade do Natal: “(...) Ninguém vai discutir que o Alecrim é a futura cidade residencial (...)”. E acrescenta: o bairro “(...) com suas avenidas retangulares, sua extensão em claridade, suas possibilidade de desdobração, aparece como um milagre de previsão dos velhos e acusados administradores antigos”. A intensa ocupação nessa direção se deu especialmente durante e após os anos em que Natal sediou as bases militares na II Guerra mundial. Apesar da diversificação das atividades urbanas, o pós-guerra se caracterizou pela instauração de uma crise econômica sem precedentes na cidade, evidenciando os efeitos do aumento populacional na carência de moradias e infra-estrutura. Em 1950, o bairro, reconhecido pelo seu caráter popular, chegou a abrigar 50,6% da população local. É nesse momento que se iniciam os loteamentos privados em Natal e os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) intensificam o financiamento da compra e da construção de casas pelos trabalhadores. Esses órgãos, primeiros a intervir diretamente na habitação no país, realizaram no Alecrim a maioria de suas operações, entre 1944 e 1964. Entender o papel dos IAPs na construção e configuração sócio-espacial deste bairro é o objetivo deste trabalho.
METODOLOGIA:
Foram realizados os seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa documental e em fontes primárias, sistematização e análise dos dados à luz de uma revisão bibliográfica. A revisão abordou a literatura sobre a atuação dos IAPs no país e em Natal, bem como a história da cidade e do bairro do Alecrim. Destaca-se como importante contribuição da monografia de Clara Rodrigues “Espelho e espelho meu, que casa terei eu? Os aspectos físicos da produção dos IAPs no Alecrim como reflexo da realidade sócio-econômica dos associados (1945-1950)”, de 2009, no qual se analisa a produção dos IAPs no bairro a partir das características construtivas dos imóveis financiados nesse primeiro momento. A fim de dar continuidade a essa análise, procedeu-se a coleta e sistematização de dados brutos sobre a produção dos IAPs entre 1951-1964, constantes nos processos prediais desses órgãos, arquivados no Arquivo do Setor do patrimônio Imobiliário do INSS-RN. Analisaram-se dados referentes ao pleito (data, instituto e valor do financiamento), ao beneficiário (emprego e salário), ao imóvel (infra-estrutura, conservação, idade, tipologia, material e técnica construtiva, nº. de quartos e aparelhos). Além disso, a leitura de textos de jornais da época serviu de complementação à interpretação dos resultados.
RESULTADOS:
Entre 1946 e 1950, momento de grave crise econômica e habitacional, os IAPs financiaram 139 moradias no Alecrim (51% do total financiado no período), em sua maioria para industriários (65%), através do IAPI, e 75% dos beneficiários tinha renda média inferior a três salários mínimos. Foram adquiridas, em geral, casas populares, construídas com material de qualidade inferior (15% eram, inclusive, de taipa) e acabamentos modestos, parte delas localizadas em vilas de caráter tradicional. Cerca de 20% foram consideradas em estado de conservação “sofrível” e não tinham água encanada. Todavia, a partir de 1950, há uma mudança na ação desses órgãos. Dos 65 financiamentos efetivados entre 1951 e 1963, 65% foram viabilizados por servidores públicos, associados ao IPASE, 22% por bancários, associados ao IAPB, e apenas 14% por industriários. A maioria destes (28%) contava com renda mensal entre três e cinco salários mínimos. Apenas duas casas (4%) apresentavam taipa na sua composição construtiva. Registrou-se o uso de concreto armado em três (6%) moradias. Todas estavam ligadas à rede de água e em bom estado de conservação. Revela-se, portanto, duas tendências de mudanças: a melhoria do padrão construtivo e a elevação da condição sócio-econômica da clientela.
CONCLUSÃO:
Já na primeira metade da década de 1940, os jornais noticiavam a retomada dos investimentos públicos e os indícios de melhorias no Alecrim. Relatavam a dinamização do comércio, a pavimentação de ruas, obras de saneamento e de transporte e o aumento da vida social. Anunciava-se não apenas a instalação de novas indústrias e casas comerciais, mas também da policlínica, cinema e sorveteria. Todavia, com a crise econômica e a carência de moradias que caracterizou o pós-II Guerra, a intervenção dos IAPs contribuiu para a afirmação do caráter popular do bairro e ratifica as soluções tradicionais de construção do mercado local, cuja má qualidade contribuía para o barateamento da obra. A partir dos anos 1950, no entanto, essa produção incorpora e promove a valorização do solo. Os recursos se destinavam a trabalhadores melhor remunerados, de setores estáveis, que tinham condições de financiar residências de padrão superior, em áreas privilegiadas. Assim, as benfeitorias no bairro, resultados dos investimentos em moradias e em infra-estruturas num primeiro momento, ao qualificá-lo para o uso residencial fizeram mudar a posterior direção dos financiamentos, evidenciando um processo de elitização sócio-espacial em sua ocupação e a alteração do aspecto interiorano e comercial do Alecrim.
Palavras-chave: IAPs, Alecrim, financiamento.