63ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 5. Teoria e Análise Lingüística
OPERADORES SOBRE CONTEXTO E INDEXICAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Lovania Roehrig Teixeira 1
Renato Miguel Basso 2
Roberta Pires de Oliveira 3
1. Mestranda - Programa de Pós-Graduação em Linguística - UFSC
2. Prof. Dr. /Orientador - Programa de Pós-Graduação em Linguística - UFSC
3. Profa. Dra. /Coorientadora - Programa de Pós-Graduação em Linguística - UFSC
INTRODUÇÃO:
A indexicalidade constitui um tópico de pesquisa complexo e instigante que tem empenhado esforços de muitos linguistas e filósofos da linguagem. Entre eles, David Kaplan, cuja abordagem sobre as expressões indexicais é seminal nessa área. Indexicais são itens que dependem do contexto de proferimento para estabelecerem seus referentes. Podemos citar os pronomes como ‘eu’, ‘tu’, ‘ele’, advérbios como ‘amanhã’, ‘agora’, ‘ontem’, etc. Os indexicais classificam-se em indexicais puros e demonstrativos. Segundo Kaplan, para que se chegue ao significado dos indexicais há de se estabelecer o seu caráter e o seu conteúdo, que nos leva a chamada teoria de referência direta, que se opõe a teoria de referência indireta de Frege e Russell. David Kaplan afirma que não existem operadores, em línguas naturais, que atuam modificando o parâmetro contextual sob o qual os indexicais são avaliados, e nossa pesquisa vem refutar essa afirmação com base em dados do Português Brasileiro (PB). Os operadores que podem mudar o contexto de avaliação dos indexicais são chamados por Kaplan de monstros, e tais monstros foram encontrados no PB em sentenças que os falantes nativos aceitam e utilizam em seu cotidiano.
METODOLOGIA:
O trabalho sobre a indexicalidade e a busca por operadores-monstro no PB envolveu um levantamento teórico das abordagens sobre indexicais. A pesquisa teve início pela teoria-base sobre a indexicalidade de David Kaplan (1989). Em seguida, pautou-se em trabalhos que buscam refutar essa teoria como a abordagem de Phillippe Schlenker (1999, 2003, 2010). Esses dois autores apresentam abordagens semânticas formais do fenômeno, e a compreensão em profundidade de suas propostas forneceu os meios adequados para que pudéssemos buscar operadores- monstro no PB. A sequência da pesquisa se deu com a busca por dados do PB em que se observasse a presença de um operador com a capacidade de modificar o contexto em que as expressões indexicais são avaliadas. Nos casos mais gerais, e como estipula Kaplan (1989), uma expressão indexical é avaliada conforme um conjunto de coordenadas do contexto de proferimento (falante, ouvinte, local, tempo e mundo) da sentença. Todavia, a presença de um operador-monstro assegura que a expressão indexical pode ser avaliada em outro contexto, que não o contexto do proferimento.
RESULTADOS:
A busca por operadores-monstro no PB foi motivada pela negação veemente de Kaplan da existência desses em línguas naturais, e também pelos dados analisados por Schlenker de línguas como o amárico, que mostra um comportamento monstruoso, em que um operador muda o contexto de avaliação de uma expressão indexical. No PB encontramos sentenças como ‘João disse que Maria saiu dois dias atrás’ em que a expressão adverbial pode ter seu valor semântico atribuído em relação ao contexto do proferimento (leitura modificada/monstruosa) do João ou em relação ao contexto do falante da sentença (leitura kaplaniana), por exemplo, eu. Outra situação observada no PB é a de um operador que muda o contexto do proferimento do real para o ficcional como em uma situação em que duas atrizes conversam sobre suas personagens em uma série de televisão, e uma delas profere: ‘Eui acho que euj deveria morar mais perto de vocêj ’, observe que o primeiro ‘eu’ com índice i deve ser avaliado em relação aos parâmetros (falante, ouvinte, tempo, mundo, local) do contexto não-ficional, já o segundo ‘eu’ (e o ‘você’) com índice j deve ser avaliado em relação às coordenadas do contexto da série de televisão e seus devidos valores. Nossa hipótese é a de que, para que isso ocorra, um operador-monstro tem que atuar.
CONCLUSÃO:
Os dados encontrados no PB se opõem à afirmação de não-existência de monstros em línguas naturais feita por Kaplan. E além de se aliarem aos dados encontrados anteriormente, por Schlenker, também confirmam a hipótese inicial de que o PB têm operadores-monstro. Assim, o PB pode ser arrolado entre as línguas em que indexicais podem ser avaliados e terem seu valor semântico atribuído por coordenadas de contexto que não são as coordenadas do contexto de proferimento. Esse trabalho de pesquisa é o primeiro que conhecemos relacionado ao PB e certamente abre portas para que pesquisas mais abrangentes sejam feitas sobre a indexicalidade nessa língua. Dessa forma, a análise de sentenças como ‘Eui acho que euj deveria morar mais perto de vocêj’ e ‘João disse que Maria saiu dois dias atrás’ mostra que línguas naturais têm a capacidade de apresentar operadores que modificam o contexto avaliação dos indexicais e que o PB é uma delas.
Palavras-chave: Monstros, Indexicalidade, Português Brasileiro..