63ª Reunião Anual da SBPC |
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 2. Direito Ambiental |
A LEGISLAÇÃO FLORESTAL BRASILEIRA ANTE A CONSERVAÇÃO DA CONECTIVIDADE DA VEGETAÇÃO E DA DIVERSIDADE FITOFISIONÔMICA NO BIOMA CERRADO: UMA ANÁLISE INTERDISCIPLINAR A PARTIR DO PENSAMENTO TEÓRICO DE HERMAN DOOYEWEERD |
Luciano José Alvarenga 1,2,3 Paulo Pereira Martins Junior 4,5 |
1. Graduado em Direito pela UFMG, Mestre em Ciências Naturais pela UFOP, Associado à SBPC 2. Dep. de Geologia, Escola de Minas, UFOP 3. Ministério Público do Estado de Minas Gerais 4. Prof. Dr./Orientador - Dep. de Geologia, Escola de Minas, UFOP 5. Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) |
INTRODUÇÃO: |
A utilização não predatória dos ambientes terrestres exige o reconhecimento das restrições de uso específicas de cada tipo de espaço e paisagem. Em sentido contrário ao dessa assertiva, os processos de criação, interpretação e aplicação da legislação ambiental-florestal, especialmente no Brasil, não têm respeitado tais restrições. Em linhas gerais, desconsideram-se nesses processos as recomendações científicas afetas ao uso sustentável dos domínios naturais do País. Esse problema é perceptível, de modo particular, no caso do Cerrado. Verifica-se a existência de textos normativos incompatíveis com as condições naturais (respeitantes ao modo de ser da natureza) que deveriam ser observadas para a conservação dos sistemas naturais de tal bioma. Analisa-se criticamente a atual legislação florestal brasileira no que concerne à conservação da conectividade da vegetação e da diversidade fitofisionômica do bioma Cerrado. Essa análise é feita com base teórico-metodológica no pensamento de Herman Dooyeweerd, que estabelece critérios para um diálogo entre as diversas Ciências Ambientais e o Direito. Procura-se contribuir para o desenvolvimento de abordagens interdisciplinares, com foco na conservação do Cerrado, uma das áreas prioritárias (hotspots) para a proteção da biodiversidade. |
METODOLOGIA: |
Muitos trabalhos acadêmicos sobre a legislação florestal, produzidos no campo das Ciências Ambientais (Ecologia, Fitogeografia, Sociologia Ambiental, etc.), trazem conclusões metodologicamente consistentes, mas carecem de uma base teórica ampla e capaz de dar coerência de significado às críticas que não raramente fazem a tal conjunto de normas. A Teoria dos Aspectos Modais, de H. Dooyeweerd, supre essa carência, ao: (a) considerar os diversos e interdependentes aspectos ontológicos (relativos ao modo de ser) da realidade; (b) elucidar as condições sob as quais esses aspectos funcionam e se inter-relacionam; e, sobretudo, (c) permitir a adoção da premissa de que as leis naturais sob as quais os geossistemas funcionam devem ser respeitadas quando da elaboração, interpretação, aplicação ou revisão das normas jurídicas referentes a eles. À luz desse marco teórico, foram adotados como procedimentos metodológicos gerais: (1) análise de conteúdo da atual legislação florestal (federal e estadual) aplicável ao Cerrado, com foco nos problemas da conservação da conectividade da vegetação e da diversidade fitofisionômica do bioma; (2) análise, com base em mapas temáticos, da ocupação da região da sub-bacia hidrográfica de Entre-Ribeiros, bacia do rio Paracatu (MG), no intervalo 1964-2008. |
RESULTADOS: |
Tendo como área-foco a região de Entre-Ribeiros, bacia do rio Paracatu (MG), inserida no Cerrado, não se detectou na legislação estudada a existência de regra ou instrumento jurídico capaz de assegurar, ante os vários tipos de intervenções antrópicas, a conservação da conectividade natural entre as diversas fitofisionomias do bioma. Não há regra jurídica que, a cuidar especificamente desse problema, imponha essa conservação como dever comum de proprietários rurais na escala de bacia hidrográfica. Alguns dispositivos recomendam que se mantenha, in situ, a interconexão de diferentes tipos de áreas protegidas (APPs, reservas legais, etc.), mas não são acompanhados por sanções premiais ou punitivas tendentes a torná-la efetiva, além de descuidarem de espaços carentes de proteção formal. À luz do marco teórico adotado, nota-se, pois, um paradoxo entre as condições dadas pela natureza para a conservação dos geossistemas do Cerrado e as normas jurídicas aparentemente dedicadas a esse intento. Com efeito, a atual configuração do direito ambiental-florestal brasileiro não reconhece o devido valor biológico do Cerrado, especialmente de suas feições savânicas, e não se opõe, de modo efetivo, à quebra do continuum da vegetação (fragmentação) e à perda da diversidade fitofisionômica no bioma. |
CONCLUSÃO: |
A análise do processo de ocupação da região de Entre-Ribeiros, bacia do rio Paracatu (MG), no período 1964-2008, coloca em evidência o fato de que a legislação ambiental-florestal não tem sido capaz de conter a quebra da conectividade entre as diferentes fitofisionomias do bioma Cerrado. Uma das principais causas desse problema assenta-se num desencontro entre tal legislação e as condições naturais que, a priori, deveriam ser respeitadas para a conservação da continuidade da vegetação e da diversidade fitofisionômica no bioma. A proteção jurídica insuficiente, em vários aspectos, do Cerrado tem contribuído para a degradação crescente dos geossistemas que o constituem. Nesse cenário, adquirem plausibilidade as previsões científicas de que o Cerrado poderá vir a desaparecer, como bioma (contínuo), antes da segunda metade do século XXI. Para reverter essa tendência, dando novo sentido às estratégias de desenvolvimento e de uso do território, os processos de construção, interpretação e aplicação da legislação ambiental-florestal devem ocorrer de modo a respeitar as condições ontológicas (dadas pela natureza) para a conservação dos sistemas naturais. A Teoria dos Aspectos Modais, de H. Dooyeweerd, constitui um marco teórico-metodológico consistente para sustentar essa abordagem. |
Palavras-chave: Conservação do Cerrado, Legislação florestal, Herman Dooyeweerd. |