63ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 5. História - 1. História da Cultura
O ATO AUTOBIOGRÁFICO A RECONSTRUÇÃO DE UM “NOVO EU”: O DIÁRIO ÍNTIMO DE JOSÉ VIEIRA COUTO DE MAGALHÃES (1880-1887)
Patrícia Simone de Araujo 1
Sônia Maria de Magalhães 2
1. Mestranda - Depto. de Ciências Humanas –UFG
2. Profa. Dra./Orientadora - Depto. de Ciências Humanas – UFG
INTRODUÇÃO:
O objetivo desse trabalho consiste em analisar o diário íntimo escrito por um importante político e intelectual do século XIX, José Vieira Couto de Magalhães. Redigido a maior parte em que Couto permaneceu em Londres (1880-1887), o diário desse autor revela sua insatisfação em relação às mulheres, seus sonhos eróticos homossexuais, seus cuidados com o corpo, seu pavor diante da possibilidade de adoecer, seus negócios e os seus relacionamentos pessoais e íntimos.
José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898) é natural da província de Minas Gerais. Formou-se em Direito, foi presidente das províncias Goiás, Pará, Mato Grosso e São Paulo e é considerado herói da Guerra do Paraguai.
O trabalho tem como meta contribuir para os estudos que por muito tempo foram desvalorizados pelas pesquisas historiográficas, a exploração da escrita de si. Para isto, o trabalho busca compreender como Couto de Magalhães procurou construir sua própria identidade ao longo de seu texto, enfatizando uma das principais riquezas de seu diário: o diálogo crítico e tenso que esse autor manteve com seu tempo.
METODOLOGIA:
Esse trabalho se insere dentro do campo de interesse da História Cultural, pois procura estudar uma personalidade histórica através da escrita de si, analisando a representação construída por Couto de Magalhães na sua subjetividade, ou seja, na forma como ele percebeu e atribuiu sentido a sua própria realidade. O diário aqui analisado é fruto da publicação realizada pela autora Machado (1998) intitulada de José Vieira Couto de Magalhães: Diário Íntimo. Primeiramente fizemos um estudo do diário de Couto e adotamos como norte de pesquisa as temáticas corpo, saúde e sexualidade. No que tange ao tratamento metodológico dos documentos de cunho autobiográfico nos baseamos principalmente em Calligaris (1998) e Gomes (2004), que lançaram fundamentos essenciais para o tratamento desse tipo de documentação, demonstrando as vantagens e os perigos da utilização da escrita de si. Para a análise teórico-metodológica desses temas foi imprescindível as contribuições de Foucault, e para demonstrar a importância dos temas corpo e saúde para as pesquisas historiográficas utilizamos como referencial os autores Revel e Peter (1988). No âmbito da sexualidade enfocamos na análise da homossexualidade tendo como referencial teórico os autores Dover (1994) e Veyne (1985).
RESULTADOS:
O diário íntimo de Couto de Magalhães demonstra uma personalidade fruto das ambiguidades de sua época. Personagem de reconhecido prestígio, os olhares da sociedade voltavam-se não só para sua atuação enquanto militar e político, mas também para sua vida particular. Sendo considerado o símbolo máximo do herói da Guerra do Paraguai procurou representar um papel social adequado para atender as expectativas da representação criada em torno da sua imagem: homem forte, destemido, desbravador e despossuído de qualquer sentimento de medo e fraqueza.
Notamos que o diário de Couto de Magalhães era usado como uma “válvula de escape” por esse autor, na medida em que, podia confessar seus sentimentos e desejos sem a repressão de uma autoridade grupal. Se em público precisava representar um papel social adequado enquanto herói da Guerra do Paraguai, em seu registro não se deteve em se mostrar um indivíduo permeado de medos como o de empobrecer, adoecer e revelar uma tendência homossexual. Assim, evidenciamos que a escrita autobiográfica de Couto foi realizada em forma de desafio aos valores éticos e morais de sua época.
CONCLUSÃO:
A leitura do diário íntimo de Couto de Magalhães nos permitiu visualizar um homem que usava de seu ato autobiográfico como “válvula de escape” para revelar suas fraquezas, seus medos, e que, ao mesmo tempo mostrava-se um indivíduo de extrema ousadia e coragem ao deixar registrada uma tendência homossexual - manifestada principalmente através de sonhos - em uma época que os homossexuais eram classificados como anormais e pervertidos, sendo muitas vezes condenados a prisão ou mesmo a morte. Assim, na escrita autobiográfica Couto pode dar um novo sentido a sua trajetória de vida em que seu universo onírico não fosse visto como perversão ou loucura, em que seus receios e atribulações poderiam ser registrados sem medo que nenhuma sanção grupal pudesse vir a destruir a imagem que ele próprio procurou construir envolta de si mesmo em sua vida “pública”: herói da Guerra do Paraguai.
Palavras-chave: Autobiografia, Diário íntimo, Couto de Magalhães.