63ª Reunião Anual da SBPC |
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 5. Antropologia Urbana |
MEMÓRIAS E MEMÓRIAS: Ensaio sobre o documentário Jogo de Cena (2007) de Eduardo Coutinho |
Gustavo Henrique dos Santos Vale 1 Manoel Ferreira Lima Filho 2 |
1. Mestrando - Faculdade de Ciências Sociais - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) - UFG 2. Prof. Dr./ Orientador - Faculdade de Ciências Sociais - Coodenador do Programa em Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) - UFG |
INTRODUÇÃO: |
O documentário brasileiro contemporâneo trabalha o real através de seus fragmentos. Para atingir essa perspectiva micro-social, lança mão de uma abordagem mais particularizada, na qual os vivenciadores de uma determinada realidade expõem suas impressões e experiências, convidando o espectador a relacionar os contextos do documentário com a sua realidade. Sob esta condição inicial, apresento uma análise do documentário Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho, onde investigo as narrativas empreendidas pelas personagens e a narrativa fílmica da obra, estabelecendo relações de contato entre esses conjuntos complexos de produção de sentidos, o relato (performance) das personagens e a estrutura cinematográfica da obra, objetivando visualizar um único tecido narrativo, sob a luz do tema da memória coletiva. No decorrer da análise, forma-se um pano de fundo comum à vida das personagens da trama e à nossa também, o contexto sócio-cultural e estético do capitalismo contemporâneo, segundo Marinho (2009) conhecido pelo termo corrente: pós-modernidade. Analisar a obra cinematográfica trazendo à tona, mediante o conjunto das memórias coletivas, a noção de alguns desses aspectos de nosso tempo e seus desdobramentos, talvez seja o ponto nuclear da importância deste trabalho. |
METODOLOGIA: |
O objeto desta análise é o documentário Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho. Para tornar justa a equação mnemônico-cinematográfica, valho-me de uma base teórica com fronteiras esfumaçadas, logo, para aproximar as narrativas das personagens e as estratégias do discurso cinematográfico da obra, foi necessária uma análise fílmica de caráter técnico, uma análise do discurso das personagens e uma visita à teoria da memória, com especial atenção à obra de Maurice Halbwachs . No entanto, explicito aqui apenas os intercruzamentos que servem aos objetivos propostos. A linguagem cinematográfica é compreendida, fundamentalmente, como uma teia simbólica de significações que proporciona uma construção representativa de recortes espaço-temporais do passado e/ou de algo que poderia ser experimentado, vivido. |
RESULTADOS: |
Jogo de Cena tem como universo fílmico o palco de um teatro vazio, cenário simbólico que não só representa a própria infinidade de construções dramáticas como também sustenta a trama central do filme, apresentada em recortes intercalando mulheres comuns e atrizes numa conversa com o diretor, estabelecendo um jogo entre realidade e ficção. É possível estabelecer uma relação adjacente entre a memória e o jogo que estrutura a narrativa cinematográfica, uma vez que ele se expressa num movimento de idas e vindas das narrativas e das mulheres e atrizes que narram, compondo um quadro geral onde se vivificam as memórias coletivas. Para Halbwachs (2006), “a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora já saiu bem alterada” (op. cit., 2006: p.91). |
CONCLUSÃO: |
Há no filme analisado uma dinâmica semelhante ao movimento da memória, ao fragmentar e intercalar narrativas e personagens, tal qual se dá nos processos mnemônicos ao reconstituir um momento vivido no passado. Opera como um conjunto de partes (memórias individuais) que estabelecem relações entre si e conforma um todo (grupo de memórias). Maurice Halbwachs (2006) afirma que a memória individual é constituída a partir de uma memória coletiva, partindo da idéia de que toda impressão é formada no interior de um grupo. Assim, Jogo de Cena esquadrinha a experiência do ser humano comum, numa autoconstrução narrativa que compõe um conjunto de memórias que se liga a outros conjuntos, formando uma malha de memórias que expõe os modos de subjetivação de uma sociedade que convive cada vez mais com a incerteza da vida cotidiana, a insegurança, a precariedade dos laços afetivos, o acentuado individualismo, etc. Destarte, o filme constrói um painel de memórias de grupos que, se por um lado são diversos e dispersos, por outro confluem, compondo e representando pensamentos, expectativas, práticas, crenças, valores e modos de vida comuns, que podem ser percebidos e compreendidos sob a lógica da pós-modernidade. |
Palavras-chave: Memória, Documentário contemporâneo, Pós-modernidade. |