63ª Reunião Anual da SBPC |
G. Ciências Humanas - 6. Ciência Política - 1. Comportamento Político |
Cultura e política em movimentos de moradia da cidade de São Paulo II |
Stella Zagatto Paterniani 1 Luciana Ferreira Tatagiba 1 |
1. Mestranda - Depto. de Antropologia - Unicamp 2. Profa. Dra./Orientadora - Depto. de Ciência Política - Unicamp |
INTRODUÇÃO: |
O tema dos movimentos sociais novamente ganha força na academia brasileira a partir dos anos 2000, com ascensões de governos de esquerda e representantes historicamente próximos dos movimentos sociais, com a abertura das instituições políticas e o incentivo à participação popular – através de Conselhos e do Orçamento Participativo –, agora atrelado a discussões sobre espaços públicos, sociedade civil, contexto. São influentes as três principais matrizes de análise: a Teoria da Mobilização de Recursos, a Teoria do Processo Político e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais. Desenvolvidas em contextos específicos, contudo, nenhum delas mostra-se claramente relacionada com movimentos sociais brasileiros. Daí a importância em desenvolvermos estudos empíricos com esforços teóricos que se respaldem e se referenciem na realidade brasileira. O movimento de moradia, especificamente, foi por mim escolhido pela importância história que possui na cidade de São Paulo, além de ser um movimento com eixo central na demanda por moradia – o que já problematiza o enquadramento dos teóricos dos “novos movimentos sociais”, cujas demandas seriam exclusivamente pós-materialistas e identitárias. |
METODOLOGIA: |
Foi aplicado, com a referência técnico-científica dos pesquisadores do Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP/ Unicamp), um questionário no Encontro Estadual de Moradia Popular, organizado pela União dos Movimentos de Moradia (UMM). Optamos por um questionário para explorar os discursos dos militantes envolvidos em uma organização aglutinadora do movimento de moradia. Perguntamos sobre seus projetos e suas referências simbólicas, históricas e políticas no campo da luta por moradia, e como esses anseios e referências se articulam com a participação política em seus também plurais termos: participação em atos de rua, audiências públicas com personalidades políticas, conversas de gabinete, participação em conselhos, e nos próprios espaços auto-organizativos de cada organização do movimento. O questionário, de caráter exploratório, adquiriu dupla importância. Primeiro, a da experiência com todas as etapas que uma pesquisa quantitativa demanda – desde a formulação de cada pergunta, com a clareza da intenção de cada uma delas para a pesquisa, passando pela ida a campo e os desafios que o contato direto pesquisador-pesquisado impõe e revela, e, finalmente, o processo de codificação das informações obtidas e sistematização dos dados. Além disso, ofereceu-nos concretude para trabalharmos de maneira mais consistente hipóteses que até então se amparavam de maneira muito frágil na realidade do movimento – suscitadas por primeiras impressões e amparadas em outras pesquisas. |
RESULTADOS: |
A afirmação da moradia digna como direito aciona um campo de conflitos, em que há nítido desequilíbrio dos recursos de poder – capital, poder de fala, influência nas decisões, espaço ocupado na estratificação social da cidade – entre as posições. De um lado, propostas como a da Nova Luz, encampada pela prefeitura e convergente com a gentrification do centro da cidade ; reintegrações de posse em ocupações de imóveis ociosos; expulsão dos moradores de rua do centro da cidade. De outro lado, propostas de ocupação dos imóveis vazios do centro, respaldados na função social da terra e na Habitação de Interesse Social (HIS); luta por maior participação da população nos espaços de decisão e debate sobre a política habitacional paulistana; preocupação com garantir outros direitos à população. Esses extremos são, contudo, ideais. Se no início da pesquisa de IC, meu olhar se dirigia à busca pela dicotomia entre a urgência (ou instrumentalidade) da ação e o potencial emancipatório do movimento, no desenrolar da pesquisa percebi que ações, estratégias, horizontes e projetos são matizados: desde os atores que reivindicam a construção de moradia na periferia com infra-estrutura, até os que reivindicam a reforma urbana, ou aliam a questão da moradia à luta anticapitalista; passando ainda pelos que reconhecem o movimento como demonstração de aprofundamento da cidadania e democracia. |
CONCLUSÃO: |
A preocupação do movimento em captar recursos – humanos, financeiros e de conhecimento técnico – e o tempo e esforço gastos com gerenciamento, por exemplo, compõem objetivos e ações presentes no movimento. Lê-los apenas como cooptação, desvirtuação, ou como ceder à política burocrática da urgência é incorrer no erro de perceber a ação (ou sua orientação) como estanque e isolada. Nesse sentido, o próprio conceito de déficit habitacional, por exemplo, torna-se conceito técnico e político. Pois se uma das principais bandeiras do movimento de moradia hoje é a luta por moradia digna no centro da cidade, um dos principais argumentos para legitimá-la é precisa, pragmática e incontestável inclusive pela lógica mais calculista: o déficit habitacional de São Paulo é gigantesco, e na cidade, estima-se que haja mais de um milhão de imóveis ociosos - por que não reivindicá-los? Da mesma forma, a capacitação técnica de lideranças pode ser lida tanto como tecnicização quanto como empoderamento do movimento. Parece ser a partir de (re)posicionamentos dos elementos que configuram as relações que as identidades são forjadas; o passado, reelaborado; e a associação e ação coletiva, possíveis. Esses reposicionamentos acontecem em diversos graus, e são essencialmente relacionais. Construir a inteligibilidade da narrativa torna-se então o desafio do movimento para si, entre si e para fora, numa cadência em que o interesse coletivo é constantemente construído. |
Palavras-chave: Movimentos sociais, Participação, Ocupações. |