63ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 4. Literaturas Modernas
A TÓPICA DO DESENGANO EM UM SONETODE ANTÔNIO BARBOSA BACELAR
Valéria Pereira Silva de Novais 1
Cássio Roberto Borges da Silva 2
1. Licencianda - Depto de Estudos Linguísticos e Literários - UESB
2. Prof. Dr. / Orientador - Depto de Estudos Linguísticos e Literários - UESB
INTRODUÇÃO:
Este trabalho tece algumas reflexões a propósito da aplicação da tópica do desengano amorosoem umsoneto de Antônio Barbosa Bacelar: “A um peito cruel”. Tomando como ponto de partida o estudo da preceptiva retórico-poética seiscentista e de suas principais matrizes greco-latinas, o presente estudo levanta uma hipótese de interpretação que se opõe às chaves de leitura mais recorrentes, romanticamente anacrônicas. Descartando a possibilidade de conceber a composição amorosa como expressão de afetos vivenciados pelo autor, optamos por repensar a lírica de Bacelar como uma poesia doutrinária, cuja finalidade seria promover a racionalização dos afetos. Nesse sentido, o soneto escolhido é exemplar, já que, nele, a voz de enunciação, depois de amplificar a representação dos malefícios ocasionados pelas paixões,ratifica o caráter impassível de sua “amada”, ou seja, o fundamento do galanteio poético, nesse caso, consiste em elogiar oautocontrole da postura figurada diante dos apelos afetivos. Trata-se de um motivo convencional, o desengano, que, ao representar as ações motivadas por afeto como demência, incita a personagem apaixonada a recobrar a razão.
METODOLOGIA:
A metodologia do trabalho previa, basicamente, o desenvolvimento de duas frentes: a primeira demandava a execução de exercícios contínuos de paráfrase das composições de Antônio Barbosa Bacelar incluídas na Fênix Renascida, procurando, assim, garantir certa familiaridade com o modelo poético estudado; a segunda enfrentava o estudo da preceptiva poética coetânea, buscando, assim, subsídios para a compreensão das técnicas engenhosas de composição. Nessa última etapa, estudamos também algumas das matrizes antigas que poderiam ter sido manejadas por preceptores seiscentistas, assim como as principais posições críticas atuaisem relação às práticas letradas seiscentistas.
RESULTADOS:
Inicialmente, discutimos os conceitos de metáfora e de agudeza, observando como a preceptiva seiscentista distancia-se de sua matriz aristotélica, quetrata a dicção enigmática como artifício “frio”, já que ela poderia impedir a imediata cognição das relações analógicas estabelecidas.Nas práticas letradas seiscentistas,contudo, a complexidade do “artifício agudo” foi interpretada como “ato máximo do entendimento humano” (Gracián; 2001), ou seja, as aporias do discurso poético agudo passam a ser valorizadas como exercício vigoroso das faculdades intelectuais, favorecendo, assim, o desenvolvimento de habilidades analíticas e persuasivas supremas.O soneto analisadoexemplifica claramente o emprego dos artifícios engenhosos, já que, nele, o lugar comum do desengano formula-se por meio de uma sequência de membros predicativos antitéticos, ou seja, por agudezas de improporção ou dissonância,que amplificam gradativamente o caráter doloroso do arrebatamento afetivo, representando o desejo como causa de todo infortúnio. Enfim, as penalidades sofridas em virtude do engano amoroso, mesmo convertidas em “gloriosa penitencia”, mostram-se insuficientes diante da força da disposição racional que, desenganada,domina os próprios afetos e despreza os alheios.
CONCLUSÃO:
O trabalho demonstra que, de acordo com a convenção seiscentista, o tratamento da matéria amorosa presume a mobilização de lugares comuns que classificam as disposições afetivas do ânimo como lapso da razão, ou seja, como engano. Não se trata, portanto, de discurso confessional ou subjetivo, nem de expressão de vivências pessoais, mas da reposição engenhosa de tópicas discursivas cuja finalidade primordial é a instrução de hábitos fomentados pela ética monárquica católica. Nesse sentido, a agudeza da invenção poética e o estoicismo da doutrina configuram-se como fios de uma mesma trama discursiva.
Palavras-chave: Desengano, Metáfora, Agudeza.