63ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 13. Serviço Social - 1. Serviço Social Aplicado
O Enfrentamento da Violência contra a Mulher e a Atenção Primária em Saúde – reflexões a partir do Programa Agente Comunitário de Saúde
Marlene Teixeira Rodrigues 1
Kamila Thais da Silva Figueira 2
1. Profa. Dra.- Grupo de estudos em Gênero, Política Social e Serviços Sociais/Departamento de Serviço Social - UnB
2. Bolsista de Iniciação Científica- Grupo de estudos em Gênero, Política Social e Serviços Sociais/Departamento de Serviço Social - UnB
INTRODUÇÃO:
A violência contra mulheres ganhou visibilidade na sociedade brasileira na década de 1970, a partir da mobilização dos movimentos de mulheres e feministas que se organizam e denunciam os atos violentos praticados contra as mulheres em virtude de sua condição de ser mulher. Esse tipo de violência está relacionado à construção social do masculino e do feminino e à desigualdade de poder nas relações entre os gêneros e repercute profundamente nas condições de saúde da população feminina. Esta perspectiva ganha centralidade durante a década de 1990, quando entra definitivamente na agenda das políticas públicas. No presente texto se discute os desafios à incorporação desse tema pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), a partir dos resultados da pesquisa realizada junto a ACS que atuam na Regional de Saúde do Núcleo Bandeirante (DF). Objetivou-se com esta investigação analisar a atuação dos ACS frente à violência doméstica contra a mulher, identificando-se: a) as demandas relacionadas à violência doméstica contra as mulheres dirigidas aos agentes comunitários da saúde; b) as ações dos ACS frente às famílias em que há casos de violência doméstica contra a mulher e c) as atividades desenvolvidas pelos ACS que abordem a prevenção à violência doméstica contra a mulher.
METODOLOGIA:
A opção por investigar as questões propostas nesta pesquisa a partir da perspectiva das/os ACS, numa abordagem qualitativa, expressa uma opção teórico- metodológica que entende o universo dos direitos como processual e instituinte (LOWY, 1985). Tem em conta além disso, “a distância entre a formalidade da lei por um lado e a consciência e a prática dos direitos dos presumidos sujeitos do direito pelo outro” (JELIN, 1993, p. 41), que caracteriza a expansão da cidadania no Brasil. Ou seja, a escolha da metodologia qualitativa está relacionada com a natureza mesma deste próprio tipo de investigação, pois, não se trata simplesmente do uso de técnicas qualitativas, mas da natureza qualitativa da análise que se requer para sua aplicação. (DEBUS, 1988).
A Regional de Saúde do Núcleo Bandeirante pesquisada participou do I Curso de Capacitação para Prevenção e Atendimento às Vítimas de Violência, do DF, destinado aos profissionais da Atenção Básica do PSF. Foram entrevistados vinte e cinco ACS atuantes nessa Regional. Além das entrevistas semi-estruturadas, optou-se pelo uso de fontes secundárias e realização de observação direta do cotidiano de trabalho dos ACS. A pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal.
RESULTADOS:
A análise dos dados revelaram que a violência doméstica e familiar é uma realidade no cotidiano das equipes de ACS e atinge mulheres de todas as idades. Todavia, no caso da violência contra as mulheres adultas, essas situações não se traduzem em demandas explicitas direcionadas às e aos agentes comunitários, embora sejam vivenciadas pelos mesmos ou a eles relatadas pelas próprias pessoas vitimadas, parentes ou gente de sua convivência. A intervenção profissional só se coloca efetivamente - para usuários e ACS - quando inclui agressão física. Nestes casos, os ACS: orientam à mulher sobre seus direitos; encaminham para serviços de saúde disponíveis e DEAM; comunicam ao(à) chefe da equipe e, raramente, fazem a notificação compulsória do caso. Em situações que envolvem violência psicólogica ou material a intervenção se caracteriza por simples omissão ou se resume a “conselhos”. Essa forma de lidar com a violência se associa às concepções sobre violência e gênero disseminadas entre a população atendida e partilhadas também por ACS. Contribui para a persistência de tais concepções entre ACS, a inexistência de uma política estruturada de formação continuada sobre o tema. As poucas experiências identificadas nesse sentido tem carga horária reduzida, realização incerta e descontínua.
CONCLUSÃO:
Na perspectiva dos ACS, as possibilidades de atuação em relação à violência doméstica contra a mulher, tem limitações objetivas. Os estereótipos e papéis tradicionais de gênero, disseminados e partilhados entre equipes de ACS e usuários, tendem a naturalizar boa parte das formas em que a violência de gênero se manifesta, restringindo-se o campo de intervenção (possível e desejável) às situações que possam atingir a integridade física. As preocupações expressas nas entrevistas em relação à própria segurança é um fator determinante da (não) intervenção dos ACS. É próprio à lógica do PACS que os agentes partilhem da realidade e dos valores da população usuária. Assim, tal aspecto, realmente importante na vinculação entre profissionais e usuários é, por outro lado, um dificultador quando se trata de como perceber e intervir frente à violência. Além disso, persistência do modelo biomédico que, na atenção primária, se traduz na hiper-valorização de condutas medicocentradas (a consulta e as doenças crônicas) e na desvalorização e deslegitimidade do saber dos ACS para pensar as ações de saúde. Confrontar esse cenário requer, pois não só ações de formação adequada que subsidiem novas formas de atuação e de acompanhamento sistemático desse trabalho, como iniciativas que extrapolam o PACS.
Palavras-chave: violência contra a mulher, Atenção Primária em Saúde, Programa Agentes Comunitários de Saúde.