63ª Reunião Anual da SBPC |
G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social |
A COMUNIDADE DA PRAINHA DE AQUIRAZ-CE E O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DO LITORAL: EXPERIÊNCIAS DOS MORADORES NATIVOS FRENTE ÀS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS COM A INTENSIFICAÇÃO DAS PRÁTICAS MARÍTIMAS MODERNAS A PARTIR DE 1970. |
Lindemberg Henrique de Souza 1 Antonio Gilberto Ramos Nogueira 1, 2 |
1. Programa de Educação Tutorial / PET História - UFC 2. Prof. Dr./Orientador - Depto de História - UFC |
INTRODUÇÃO: |
A partir de 1970, a comunidade da Prainha de Aquiraz-Ce, outrora vila tranquila formada quase exclusivamente por pescadores artesanais e rendeiras, sofreu a intensificação de práticas marítimas modernas, como o veraneio (segundas residências) e o turismo, ocasionando a descaracterização das paisagens e a interferência no próprio cotidiano, na cultura e na identidade dos habitantes locais. As transformações operadas nesta localidade fazem parte de um processso de ocupação e valorização dos espaços litorâneos que se encontra em curso. Processo de invenção da praia, no qual a idéia de paraíso e de lugar para o lazer tem impulsionado o veraneio, o turismo, os investimentos imobiliários e outros empreendimentos. Nesse sentido, sob a ótica da História Social, a pesquisa teve como objetivo compreender as experiências vivenciadas pelos moradores nativos frente às transformações ocorridas na comunidade da Prainha a partir desse processo de litoralização. Dessa forma, partindo de preocupações e questões atuais, a História pode marcar um compromisso com seu próprio tempo. |
METODOLOGIA: |
Para entender como os nativos da Prainha perceberam e vivenciaram as transformações em sua localidade, foi imprescindível a perspectiva metodológica da História oral. Procurou-se não um resgate de suas memórias que constatasse fatos, mas a preocupação com os relatos valorizou os próprios aspectos subjetivos de suas narrativas, a partir dos quais foi possível identificar os conflitos que permearam as modificações nas paisagens e no modo de vida da população local, além dos próprios significados que a comunidade construiu sobre esse processo. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 15 pessoas da comunidade, mais especificamente pescadores e rendeiras que têm testemunhado e vivenciado as mudanças pelas quais a Prainha vem sofrendo. Também constam conversas informais com grande parte dos moradores da localidade. Somado a esse uso da História oral, foi feita a análise de documentos produzidos e arquivados pela Associação das Rendeiras da Prainha, pela Associação dos Moradores e pela Colônia de Pescadores. Outra fonte bastante rica foram as fotografias guardadas com algumas famílias, que tanto fornecem imagens das transformações ocorridas como representam saudades de uma Prainha que já não é mais a mesma. |
RESULTADOS: |
Verificou-se que as principais lamentações referiam-se ao processo de apropriação de casas e terrenos dos nativos. Em alguns momentos isso se deu pela grilagem. Em outros, os próprios pescadores vendiam suas casas de taipa e barracos de palha esperançosos de que conseguiriam construir habitações melhores. Nesse processo, muitos pescadores deixaram suas casas e seus ofícios para tornarem-se caseiros de casarões construídos em seu antigo espaço, além de ter ocorrido o deslocamento dos habitantes para áreas mais afastadas da praia. Outra constatação foi o progressivo abandono que tem sido realizado tanto do trabalho da renda de bilros como da pesca. Se, por um lado, a substituição dessas atividades por outras relacionadas principalmente ao comércio e à atividade turística pode ser associada ao desenvolvimento econômico da comunidade, por outro, há o reconhecimento por parte de muitos moradores de que o abandono dessas atividades significa a desestruturação de elementos identitários da comunidade. Além disso, a ocupação e o crescimento desordenado da localidade, associado ao número cada vez maior de pessoas que passou a circular no local, aparece nos relatos como fatores de interfência na tranquilidade e na beleza que a Prainha anterior a essas ocorrências apresentava. |
CONCLUSÃO: |
Com as diversas modificações ocorridas, a comunidade vive seus conflitos entre o apego às tradições e a aceitação dos novos tempos. Os relatos apontam um sentimento ambíguo de contentamento e lamentações. Melhorias nas condições materiais de vida cruzam-se com a perca de referências de identificação do local como uma vila tranquila de pescadores e rendeiras com ritmo próprio de vida. Dessa forma, as transformações sócio-ambientais na comunidade deram existência a lembranças de um outro tempo, o tempo da “Prainha de antigamente”, guardado principalmente na memória dos mais velhos, mas que também invade o universo dos mais jovens ao serem compartilhados pelas narrativas da comunidade. Ressalta-se ainda que uma das imagens mais fortes produzidas foi a do “invasor”, representado por pessoas de fora que, seja pela apropriação indevida das terras, seja pela pressão exercida para compra da casa dos pescadores, ocuparam os espaços onde os antigos moradores construíam suas sociabilidades. Nesse mesmo processo, foi reforçada a idéia de “nativo” em oposição às pessoas de fora que passaram a morar na localidade ou que apenas visitam a praia, criando através das relações e identidades partilhadas entre os moradores nativos um sentimento de pertencimento à comunidade. |
Palavras-chave: Nativos, Prainha, Práticas marítimas modernas. |