63ª Reunião Anual da SBPC |
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito |
EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE IMÓVEIS NA USUCAPIÃO COLETIVA |
Cíntia de Freitas Melo 1 Lorena Mello e Figueiredo 1 Márcio Túlio Viana 2 Mariane dos Reis Cruz 1 |
1. Faculdade de Direito - Universidade Federal de Minas Gerais 2. Prof. Dr./ Orientador - Depto de Introdução ao Estudo do Direito e Direito do Trabalho - Faculdade de Direito - Universidade Federal de Minas Gerais |
INTRODUÇÃO: |
A usucapião coletiva é uma modalidade de usucapião recente no ordenamento jurídico brasileiro, criada pelo Estatuto da Cidade em 2001, sobre a qual restam, ainda hoje, muitos pontos controversos, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Um desses pontos é a exigência ou não de certidões negativas de propriedade de imóvel para propositura da ação. Apesar de não ter expressa previsão legal, a exigência da certidão negativa na ação de usucapião está arraigada na tradição judicial brasileira, que acata tal requisição como essencial à ação. No entanto, tal exigência no que diz respeito à ação de usucapião coletiva demonstra uma clara contradição com o espírito da norma que institui este instrumento. A usucapião coletiva visa simplificar o acesso à justiça, possibilitando que a ação ocorra de forma coletiva, e é direcionada a uma população de baixa renda. Portanto, a exigência das certidões descaracteriza o caráter coletivo do instrumento, fazendo necessária a produção de provas para cada um dos moradores individualmente, e dificulta o acesso às populações de baixa renda, pois sem o acesso gratuito a essas certidões haveria um elevado custo já na fase preparatória da ação. |
METODOLOGIA: |
Os resultados obtidos nesta pesquisa se inserem dentro de uma pesquisa mais abrangente, ainda em curso, sobre diversos aspectos da usucapião coletiva, inclusive sobre sua efetividade na Vila Acaba Mundo, localizada em Belo Horizonte. Dentre os métodos utilizados, iniciou-se com uma pesquisa bibliográfica sobre a usucapião coletiva e temas afetos à efetivação do Direito à Cidade e regularização fundiária; passando em seguida para estudos em Direito Civil e Direito Processual Civil. Posteriormente, foi analisada a legislação pertinente e buscaram-se decisões judiciais sobre o tema. Por se tratar de uma questão controversa, foram empreendidos diversos debates entre os pesquisadores integrantes e com os demais parceiros, como a Divisão de Assistência Judiciária da UFMG (DAJ) e o Escritório de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (EDH – Sedese/MG). |
RESULTADOS: |
O art. 10 do Estatuto da Cidade, que trata do usucapião coletivo, dispõe que os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Contudo, a comprovação, por meio das certidões negativa de imóveis, não é escalada pelo rol de exigências do Código de Processo Civil para as ações de usucapião (arts. 941-945 do CPC). Apesar disso, entende a jurisprudência que as ações de usucapião especial urbano devem ser acompanhadas das certidões, como forma de comprovar o requisito. Contudo, o que diferencia esta nova modalidade de usucapião é justamente seu caráter coletivo, que visa facilitar o acesso à justiça e promover a regularização fundiária de áreas de vulnerabilidade social. Assim sendo, esta exigência é uma notória contradição: necessidade de provas individuais em contraponto a uma ação claramente coletiva. Ora, dessa forma, o instrumento perde sua razão de ser. No processo civil, o ônus da prova é do réu, quanto à existência de fato impeditivo do direito do autor (art. 333, II, CPC). A propriedade de outro imóvel urbano ou rural pode ser compreendia como fato impeditivo do reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre os imóveis em que exercem a posse. Assim, cabe ao réu provar que o autor realmente não é proprietário de outro imóvel urbano ou rural. |
CONCLUSÃO: |
Enquanto não há o entendimento pacificado de que a gratuidade do acesso à Justiça inclui também as custas de cartório, a população de áreas suscetíveis à regularização fundiária sofre com a especulação imobiliária e a insegurança da posse por não preencherem um requisito formal. Desse modo, as cidades brasileiras, que são excludentes e fragmentadas, refletem a lógica especulativa do mercado, não dão conta de seus problemas sociais e ambientais, e, sobretudo, das necessidades dos mais pobres. Contudo, mais relevante é obter o entendimento de que a usucapião coletiva é um instrumento jurídico destinado à regularização fundiária de vilas e favelas que visa, portanto, viabilizar o direito à moradia adequada dessas populações. Por isso, não se deve esquecer o caráter coletivo de tal instrumento, o que torna a injustificada a exigência de certidões negativas de imóveis, tanto pelo custo das despesas cartorárias quanto por se tratar de exigência típica em ações individuais. A ação coletiva tem uma dimensão que torna essa exigência inviável, visto que não é uma ação plural, nem um litisconsórcio de grandes proporções, mas uma tutela de direitos coletivos. |
Palavras-chave: Usucapião coletiva, Certidão negativa de registro de imóveis, Direitos Coletivos. |