63ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 5. História - 8. História Regional do Brasil
O AUTOMÓVEL COMO SÍMBOLO DA MODERNIDADE
Leonardo Ibiapina Beviláqua 1
1. Universidade Federal do Ceará - UFC
INTRODUÇÃO:
No início do século XX, a cidade de Fortaleza sofreu modificações em sua estrutura urbana, de modo que esta se adaptasse a uma nova forma de viver dos citadinos. Esse novo estilo de vida era pautado pelos ideais de modernidade que se disseminavam entre uma parcela dos moradores dessa cidade. Entre os elementos que possibilitavam essa nova concepção de vida urbana, pode-se elencar os aparatos tecnológicos que surgiam e evoluíam, trazendo consigo a promessa de tornar melhores as condições de existência da população. Este trabalho parte da concepção de que o automóvel teve importante papel na construção desse imaginário moderno. A possibilidade de vencer grandes distâncias em um curto intervalo de tempo, sem muito esforço e com relativo conforto simboliza essa nova concepção de vida, que preza pela rapidez e pela eficiência. Assim, a defesa da utilização do automóvel como meio de transporte começava a ser feita por indivíduos cujos discursos estavam repletos de palavras como “moderno” e “progresso”. Por outro lado, a presença desse artefato móvel nas ruas da cidade causava alguns “impactos”. Apresentadas essas considerações, objetiva-se com este trabalho compreender o processo de modernização de Fortaleza, a partir da relação entre a sociedade dos anos 1920-40 e o consumo de carros.
METODOLOGIA:
No processo de coleta sistemática de dados, alguns periódicos cearenses foram consultados, como os jornais O Povo e O Nordeste, a gazeta humorística O Diabo a 4 e o Almanach do Ceará – publicação anual que tinha como intuito apresentar dados geográficos, políticos, burocráticos, comerciais, entre outros. Com isso, o trabalho de pesquisa nas fontes consistiu em identificar a existência do automóvel na sociedade de duas formas: 1) real, onde se percebe a presença dos carros, como objeto, bem como as novas relações sociais decorrentes disso; 2) imaginária, onde se nota a existência de uma “concepção” do automóvel como símbolo não só de rapidez, eficiência, status, etc., mas também de “vícios”, acidentes, congestionamentos etc. Notícias, propagandas e crônicas relacionados aos carros foram analisadas de forma a buscar a compreensão de como indivíduos favoráveis e resistentes à utilização dos veículos automotores manifestavam suas opiniões a respeito desse artefato móvel. Também se buscou perceber as contradições e complexidades desses discursos. Por fim, deve-se salientar a importância do debate historiográfico como auxílio à análise realizada, pois, a partir das narrativas já construídas sobre o período, é possível compreender como se deu processo da modernização em Fortaleza.
RESULTADOS:
O trabalho de coleta de dados resultou na obtenção de informações a respeito da relação entre sociedade e o uso do automóvel como objeto e símbolo da modernidade. Entretanto, pôde-se perceber que muitos indivíduos mantinham um olhar de desconfiança sobre os carros. Três exemplos podem facilitar a compreensão da complexidade do problema: 1) em 1928, o jornal O Povo realizou uma enquete para saber a opinião dos leitores sobre os veículos automotores. As perguntas dão o indicativo de que o automóvel podia ser entendido, não só como detentor de qualidades técnicas, mas também estéticas e simbólicas; 2) o jornal O Nordeste publica, em 1932, um manifesto de um grupo de agricultores de uma cidade do interior do Ceará que trata do risco de supressão do carro de bois devido à eficiência do automóvel. A leitura desta fonte indica que a chegada desse veículo é acompanhada de uma série de impactos, por isso, em muitos casos, há críticas a essas mudanças, mesmo que haja o reconhecimento das qualidades do carro motorizado; 3) o jornal O Diabo a 4 faz diversas críticas, no começo da década de 1920, ao abuso do carro da prefeitura pelo prefeito. Interpreta-se daí uma preocupação da forma como eram geridos os bens públicos, onde o automóvel é o elemento central desta discussão.
CONCLUSÃO:
A modernização deve ser estudada a partir de suas complexidades. Logo, o período abordado não pode ser entendido como uma mera disputa dual entre indivíduos favoráveis e resistentes ao advento do moderno. Ou seja, as manifestações de defesa ou rejeição dos novos aparatos tecnológicos devem ser compreendidas dentro de um contexto complexo que envolve uma enorme diversidade de interesses, necessidades e, portanto, opiniões. O estudo realizado apresenta vários casos nos quais o automóvel é visto, pelos sujeitos históricos, como artefato detentor de características que o identifiquem com um novo modo de vida urbana. Isto o configura como um dos objetos que simbolizam esse processo de modernização. Porém, essa identificação não produz de imediato o sentimento de aceitação. É justamente o fato dos carros possuírem qualidades técnicas que produz o sentimento de cautela quanto à aprovação destes veículos. Ou até mesmo de rejeição, quando o processo de adaptação da estrutura urbana ao crescimento do mercado de automóveis afeta o cotidiano de certos grupos sociais. Por fim, é interessante notar que a utilização destes artefatos, neste caso o automóvel, pode causar olhares desconfiados de parcela da população, incerta das consequências que o uso (ou abuso) dele pode acarretar.
Palavras-chave: Modernização, Valor simbólico, Automóvel.