64ª Reunião Anual da SBPC |
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira |
Escrituras apócrifas na literatura brasileira: Judas Iscariotes |
Késia Rodrigues de Oliveira 1,2 Lyslei de Souza Nascimento 3,4,5 |
1. Graduanda em Letras na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. 2. Pesquisadora de Iniciação Científica do CNPq. 3. Profa. Dra. / Orientadora - Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. 4. Bolsista de Produtividade do CNPq. 5. Pesquisadora do Programa Pesquisador Mineiro da Fapemig. |
INTRODUÇÃO: |
Jesus e Judas constituem-se um dos mais importantes duplos da história. O traidor, a traição e suas consequências simbólicas são recorrentes na literatura ocidental desde Shakespeare, com Otelo e Iago, até Júlio César e Brutus. O controvertido personagem bíblico adquiriu ao longo dos séculos vários matizes pela mão de pintores e escritores. Esta pesquisa se concentrou na análise da imagem de Judas ao passar do texto bíblico para o texto ficcional. Diferentemente do relato bíblico, o discípulo aparece, muitas vezes, na ficção, sem o caráter maligno pintado pelos evangelhos canônicos. Nestes, a morte de Jesus recai sobre Judas que recebe, pela traição, trinta moedas. A partir do conceito de texto canônico e apócrifo, objetivou-se estudar obras da literatura brasileira que reescrevessem o episódio bíblico da traição e construíssem uma versão da história de Judas. Efetuou-se para tanto um levantamento de versões brasileiras sobre Judas e sobre a traição e analisou-se algumas dessas versões, tendo como ponto de partida os conceitos de intertextualidade da teoria literária. Verificou-se que escritores, em contos, crônicas, peças, poesias e romances apropriam-se, desde o século 19 até os dias de hoje, tanto da Bíblia quanto do evangelho apócrifo de Judas, transformando-os em paráfrase e paródia. Nessa perspectiva, seguindo os vestígios das versões bíblicas e apócrifas sobre Judas na ficção, esta pesquisa analisou algumas imagens de Judas construídas pela literatura brasileira |
METODOLOGIA: |
Construção de um banco de dados literários e artísticos sobre Judas; estudo dos conceitos de apocrifia, cânone e intertextualidade literária; levantamento bibliográfico sobre o episódio da traição, focando o discípulo Judas Iscariotes na literatura brasileira; análise crítica dos textos teóricos e literários coletados e, por fim, elaboração de um ensaio. |
RESULTADOS: |
Verificou-se que o caráter maligno atribuído ao personagem pelos evangelhos canônicos é, muitas vezes, retirado pela literatura que confere uma nova interpretação, por vezes subversiva, à história do discípulo. Na ficção brasileira, a reescritura do episódio da traição realiza-se por uma via parafrástica, reiterando o discurso bíblico, ou paródica, construindo contrapontos ao texto canônico. Nessas narrativas, como foi possível comprovar neste estudo, muito antes do atual sucesso editorial do personagem, o tema já se fazia presente desde o século 19, com a peça O Judas no Sábado de Aleluia, de Martins Pena. Em 1931, João Alphonsus publicou o conto “Uma história de Judas”, dando sequência a uma tradição de escritores brasileiros que reescreveram o episódio bíblico. Em 1960, o poeta Mário Barreto dá sua versão em “O beijo da traição”. Assis Brasil e João Antônio, nos anos de 1970, contribuem com a fortuna literária sobre Judas com, respectivamente, O livro de Judas e Malhação do Judas carioca. Nos anos 1980, publicam-se Judas arrependido, de José Louzeiro, Evangelho segundo Judas, de Geraldo Silveira, e O Evangelho segundo Judas, de Sílvio Fiorani. Varneci Nascimento, em 1999, publica o cordel Morte e ressurreição de Jesus Cristo. Nos anos 2000, tem-se o lançamento de Queda e redenção de Judas, de José Simões e Judas e a irmã de Jesus, de José Fernandes. Judas, de Aristides Ávila, fecha o levantamento. |
CONCLUSÃO: |
Na literatura brasileira, são muitas as versões ficcionais do episódio bíblico da traição e da representação do personagem Judas. A traição, recorrente nesses textos, adquire em alguns deles o tom especular da paráfrase, em outros, a estratégia desviante da paródia. Enquanto metáfora, a traição, à medida que simboliza a apropriação, a reelaboração e a intertextualidade, funda a própria noção de literatura e constitui, na maioria das vezes, sua matéria mais produtiva.Diante do exposto, Judas, surpreendente personagem bíblico, ao sair do campo religioso e migrar para a literatura, ancorado na Bíblia e no evangelho apócrifo, se desdobra pelos escritores brasileiros em inúmeras outras narrativas, reafirmando-se o potencial narrativo do tema do traidor e da traição na literatura. As versões brasileiras dessa história constituem um arquivo aberto para novas investigações. |
Palavras-chave: Bíblia, Literatura Brasileira, Judas Iscariotes. |