64ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 4. Geografia - 2. Geografia Regional
ETNOCONHECIMENTO E SENSORIAMENTO REMOTO DIALOGAM? – ELUCIDANDO O ROSÁRIO DE LAGOS DA BAIXADA MARANHENSE
José Raimundo Campelo Franco 1
1. Universidade Federal do Maranhão
INTRODUÇÃO:
Objetivou-se ampliar os conhecimentos hidrogeográficos da zona úmida dos lagos do estuário Pindaré-Mearim, no que tange a elaboração de classificações, conceitos e categorias geográficas locais que viabilizam a compreensão sistêmica do conjunto lacustre como um todo, assim como tornar mais explícitos os processos interativos mais elementares que a hidrogeografia local estabelece em suas diversas fases do ciclo hídrico anual. Os resultados refletem uma seqüência de esclarecimentos sobre a visão geossistêmica do conjunto lacustre, que nesta tradução específica, atribui-se a denominação de Lagos de Reentrâncias (a partir de sua gênese geomorfológica) ou Sistema Lacustre Pindaré-Mearim-SLPM (a partir da classificação hidrográfica brasileira da ANA-MMA), o qual se configura como o maior conjunto de lagos da Baixada Maranhense.
Estes saberes a muito tempo vinham sendo almejado por pesquisadores, estudantes, escritores e jornalistas, porem, sem a devida utilização de um método científico mais eficiente, acabavam por formar idéias baseadas em informações abstratas e infundadas, que por muitas vezes se traduziam em confusão de idéias, conflitos de opiniões e indefinições da verdadeira identidade dos recursos hídricos. O modelo funcional elaborado vem sanar com essas lacunas, quando traz informações respaldadas em teorias geomorfológicas, na tradução de informações produzidas através do sensoriamento remoto e na própria concepção e saberes das comunidades tradicionais.
METODOLOGIA:
Para o geógrafo, o uso de modelos é um instrumento de trabalho que deve ser utilizado na análise dos sistemas das organizações espaciais. O modelo permite estruturar o funcionamento do sistema, a fim de torná-lo compreensível e expressar as relações entre os seus diversos componentes (CHRISTOFOLETTI, 1985).
Interpretações significativas tiveram fundamentos das inovações da Geografia Renovada como é o caso da aplicação da Teoria de Sistemas (CHRISTOFOLETTI, 1979) e dos geossistemas (SOCTCHAVA, 1978), da quantificação do Conhecimento Ecológico Tradicional-CET (BRASIL, 2007), permeado pelos pressupostos da geografia humanística (TUAN, 1982) e do trabalho de laboratório com documentos cartográficos.
As Planilhas de Análise da Inundação – PAI’s (FRANCO, 2008) foram os formulários utilizados na coleta de dados para levantar informações sobre o comportamento dinâmico dos ambientes inundáveis, aplicadas a indivíduos detentores de conhecimentos tradicionais, reconhecidos segundo critérios determinados na pesquisa, as quais resumem dados sobre: informante; localização regional, influência costeira e pulsos de inundação.
O modelo numérico de terreno foi produzido a partir de dados SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), em formato geotiff, em resolução espacial de noventa metros, disponíveis em Miranda (2005) e de cartas DSG DE 1:100.000. A área de estudo foi coberta por duas grades retangulares (compostas de dados numéricos), que foram importados para o projeto.
RESULTADOS:
O SLPM é um extenso lago de água doce que se apresenta sob um regime hídrico intermitente. No período chuvoso se configura em uma seqüência de compartimentos assimétricos em forma de reentrâncias que se justapõe ao longo da marginal esquerda do sistema confluente dos rios Pindaré e Mearim. Já no período de estio, as reentrâncias se desagregam e formam uma espécie de salpicamento de lagos em que a comunidade local costuma denominar de rosário de lagos.
a) Sistema lacustre configurado em lagos de reentrâncias: O termo Lagos de Reentrâncias (AB SABER, 2002; MARANHÃO, 1991) refere-se à sua natureza genética, ou seja, da origem do próprio nascimento das reentrâncias como depressões lacustres (FERNANDES, 1946) e ao caráter geomorfológico que o ambiente como um todo é suscitado, conforme base teórica assimilada por Hutchinson apud Wetzel (1993). As conchas dos lagos, por conseguinte assumem tal forma recortada no período chuvoso, quando as depressões ficam preenchidas por total e se mantém contíguas.
b) Sistema lacustre configurado em rosário de lagos: Durante a estiagem os fatores climáticos criam mecanismos de desagregação formando pequenos lagos e lagoas independentes ou mesmo interligadas entre si ou por rios emissários (GUERRA e GUERRA, 1993). O longo período de estudo foi registrada a existência de 32 lagos conhecidos pelo CET local em todo o SLPM, onde 08 destes não puderam ser cartografados devido ao período de estiagem em que as cartas DSG foram confeccionadas.
CONCLUSÃO:
A materialidade teórica buscada nas concepções modernas da geomorfologia fluvial formou um suporte substancial para a sistematização de novos modelos conceituais que até o momento se faziam confusos no entendimento de muitos pesquisadores. O modelo sistêmico amadureceu e se consolidou com as bases de interpretação fornecidas pelas técnicas de sensoriamento remoto e pela posterior confirmação do etnoconhecimento local sistematizado. Põe-se em relevo a legitimação do Maracu como um rio, a linha de interpretação do rosário de lagos, o esclarecimento e identificação de elementos geográficos e outras questões relacionadas com as heranças culturais deixadas pelos colonizadores jesuítas.
Por fim, a tradução da hidrografia regional foi concebida no entendimento de que o SLPM funciona como se fosse um desvio do rio Pindaré que se mantém “mais ou menos confinado” em uma seqüência de depressões assimétricas e forma uma única massa de água doce, tornando-se o ambiente lacustre de maior destaque de toda a Baixada Maranhense. Tendo-se os lagos em estágio de vazão das águas, a tendência vital das comunidades ribeirinhas é impedir que alguns pontos desse imenso desvio se estrangulem em um relevo de jusante e retornem para a calha fluvial principal do rio Pindaré ou mesmo no Mearim (construção de tapagens ou barragens). Esta ação faz prolongar, no máximo possível, a perenidade dos sistemas inundáveis, ou mesmo controlar as enchentes salinas para a proteção e conservação das águas doces.
Palavras-chave: Etnoconhecimento, Lagos, Baixada Maranhense..