64ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 1. Linguística Aplicada
QUILOMBOS DO MEARIM: CONSTRUINDO NOSSA HISTÓRIA
KELCILENE VIRGINO SILVA DE MESQUITA 1
WALTERSAR JOSÉ DE MESQUITA CARNEIRO 2
1. PROFA. MA. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO - SEDUC
2. PROF. DR. / ORIENTADOR / UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO - UEMA
INTRODUÇÃO:
A ideia dominante sobre quilombos que circula na sociedade brasileira é aquela centrada unicamente na noção de espaço geográfico oriunda da reunião de negros fugidos. Aqui, visamos contribuir com uma discussão teórica que vise romper com a visão cristalizada de ‘quilombo’, com base em postulados teóricos como: Semprini (1999), que apresenta a noção de multiculturalismo como forma de questionar práticas cristalizadas, a realidade como sendo independente da linguagem, o conhecimento como sendo puramente objetivo e a verdade como sendo uma questão de precisão; já Foucault (2008) trabalha com a noção de poder. Para ele, o poder não é algo que pertença a alguém, não é uma propriedade. Portanto, não há os que detêm o poder e os que não os detêm; e, Bakhtin (2003) que apresenta a noção de sujeito como sendo essencialmente dialógico. O sujeito é constituído socialmente, na interação verbal. Esses conceitos são trabalhados dentro do campo de estudos da Linguística Aplicada Indisciplinar (LOPES, 2006), analisando discursos que constroem, que dão sentidos às diversas práticas sociais em torno das temáticas ‘quilombolas’, visando, como diz Almeida (1996), ressemantizar o sentido cristalizado de quilombo, advindo, principalmente dos períodos Colonial e Imperial da história de nosso País.
METODOLOGIA:
Com base em postulados da Linguística Aplicada Indisciplinar, assumimos dois pressupostos básicos de pesquisa: a natureza interdisciplinar e a base interpretativista. A natureza interdisciplinar surge da necessidade do entendimento da complexidade dos fatos de linguagem em torno da temática ‘quilombola’. Outro pressuposto básico é sua natureza interpretativista. Partimos do princípio de que o conhecimento é construído nas práticas discursivas e de que é a natureza interpretativista que possibilita ao analista posicionar-se frente a essa construção. O caráter interpretativista da pesquisa implica que o acesso ao objeto de estudo não é realizado diretamente, ele é feito sempre de forma indireta, o objeto de estudo é sempre interpretado. Nessa ação, o conhecimento é construído. Assim, construímos conhecimento a partir da análise dos discursos de duas mulheres quilombolas: Gelza (povoado quilombola de Catucá) e Dulcinéa (povoado quilombola de São Sebastião dos Pretos). Esses discursos possibilitam ressemantizarmos o conceito de quilombo, objeto central de nosso estudo.
RESULTADOS:
O foco da análise discursiva foi a questão de “gênero”, buscando questionar práticas hegemônicas de dominação masculina. A partir dele, e com base nos postulados teóricos assumidos, interpretamos essas construções discursivas e ressemantizamos o conceito de ‘quilombo’. Dulcineia participa do discurso naturalizado de que as mulheres devem participar de práticas que as colocam em situação de opressão, marca do discurso masculino, porém, resiste a essa situação, defendendo que suas filhas não podem passar pelo que passou. “Minha irmã, eu não tenho vontade de querer isso para meus filhos não. Se eu achasse outro jeito, eu não queria não essa profissão (quebradeira de coco). Não é muito boa não, de jeito nenhum”. Já Gelza constrói o discurso de ação, de mudança, refererindo-se à sua participação num projeto coletivo de horta comunitária. “Nós fizemos tudo sozinhas [...]. Os homens não quiseram participar, diziam que a terra não prestava. Agora com o Telado [cerca que protege a horta] eles estão ajudando”. Ela se posiciona em relação aos homens, não para oprimi-los, mas para resistir a qualquer atividade opressora. Ao se sentirem incompletas, foram, através do trabalho, buscar sua completude, justamente naquilo que lhes faltavam: uma satisfação com o trabalho realizado.
CONCLUSÃO:
A partir da interpretação dos dois discursos, focando a questão de gênero, com base nos aspectos interdisciplinares e interpretativistas, concluímos que os conceitos de gênero e de quilombo, mesmo ainda ocorrendo num contexto de opressão, já apresentam marcas da desestabilização. Quando Gelza rejeita a imagem de mulher oprimida, principalmente em relação ao trabalho, ela rejeita, também, o conceito de quilombo centrado na imagem de lugar de refúgio. Dulcinéa, também, participa desse discurso ao afirmar que ela teve uma vida sofrida, foi submissa, mas sua filha não deve passar pelo que ela passou. E é no quilombo que elas – Gelza e Dulcinéa – transformam suas práticas sociais e constroem outra realidade social.
Palavras-chave: DISCURSO;, QUILOMBO;, GÊNERO..