64ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 3. Filosofia - 1. Ética
Individualismo e formas de governar: um estudo a partir de Michel Foucault
Pedro Fornaciari Grabois 1
Vera Maria Portocarrero 2
1. Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UERJ
2. Profa. Dra./Orientadora - Depto. de Filosofia - UERJ
INTRODUÇÃO:
A hipótese geral que orienta nossa pesquisa é a de que as “práticas de si” ou “técnicas de si” são para Foucault uma possibilidade concreta de resistência ao poder. Para melhor compreender o papel destas práticas que colocam em questão a relação do indivíduo consigo mesmo e com os outros nas sociedades contemporâneas foi necessário diferenciá-las do que poderia caracterizar-se como um individualismo ético. Definindo individualismo de forma clássica e negativa, pode-se afirmar que este é toda teoria ou tendência que vê no indivíduo a forma mais essencial de realidade ou o mais alto grau de valor, ou ainda a tendência em se libertar de toda obrigação de solidariedade e de não se preocupar senão consigo mesmo. O individualismo estaria ligado assim à auto-afirmação do eu individual, na qualidade de eu individual, sem considerar sua participação em seu mundo. É neste sentido que se pode opor o individualismo à reflexão foucaultiana em torno das formas de governar ligadas à relação de si a si. O que interessou a Michel Foucault foi compreender historicamente o papel dos indivíduos e dos grupos na elaboração ou na invenção daquilo que ele chamou de práticas de subjetivação. Não haveria, para Foucault, uma subjetividade previamente dada, mas diferentes práticas de subjetivação.
METODOLOGIA:
A pesquisa de Iniciação Científica “Individualismo e formas de governar: um estudo a partir de Michel Foucault” foi realizada individualmente e sob supervisão de um orientador, integrando uma pesquisa mais ampla intitulada “A questão ética do cuidado de si na filosofia contemporânea”. O método por nós empregado foi o de leituras e análises críticas e conceituais de obras de Michel Foucault, de seus comentadores e de outros autores da filosofia e da sociologia que contribuíssem para um estudo sobre a questão do indivíduo e do individualismo. Uma forma de trabalhar com os textos foi a produção de resumos e fichamentos, de modo a elencar os principais elementos neles presentes e tornar explícitas suas hipóteses de trabalho. Depois da reunião de diferentes materiais, foram produzidos artigos científicos, além de relatório final de pesquisa.
RESULTADOS:
As noções de governo e de governamentalidade, noções centrais no pensamento ético e político de Foucault, foram utilizadas por ele para pensar a questão do exercício de poder sobre si mesmo e sobre os outros como atividade de condução das condutas dos indivíduos, como uma ação sobre a ação de outrem. Em seu recuo histórico à Antiguidade greco-romana, nos livros que compõem a História da Sexualidade e em cursos dados no Collège de France, Foucault procurou não transpor o modo de vida e os problemas próprios a este período histórico, mas reabilitar uma concepção de filosofia enquanto modo de vida, enquanto ascese. Para Foucault, a ascese é, em primeiro lugar, um exercício de si sobre si, é uma espécie de corpo a corpo que o indivíduo trava consigo mesmo e em que a autoridade de um outro é questionada. O que está em questão nessa perspectiva ética é a “conduta” dos indivíduos, isto é, tanto a atividade que consiste em conduzir quanto a maneira como uma pessoa se conduz, como se deixa conduzir e, como se comporta sob o efeito de uma conduta que seria ato de conduta ou de condução. O termo ascese foi reabilitado para caracterizar essa filosofia como prática ligada à condução da vida e não apenas como processo cognitivo.
CONCLUSÃO:
Foucault apontou que toda ação moral de um indivíduo ou grupo – ação que diz respeito a regras morais, explícitas ou implícitas, vividas socialmente – pressupõe um modo de subjetivação ético, isto é, uma relação do indivíduo consigo mesmo, uma “prática de si”. Nesta pesquisa, pudemos explorar o tema das práticas de governo de si por si mesmo em contraposição ao problema do individualismo e concluímos que o tema do cuidado de si e das técnicas éticas de si não representa exatamente um retraimento do indivíduo sobre si mesmo, mas diz respeito a uma invenção de si, que passa pela recusa de uma determinada forma de subjetividade individual e coletiva imposta pelo Estado moderno. A relação com o outro – com a alteridade – não está excluída desta perspectiva; mas é, antes, pensada a partir de uma problematização: certos laços sociais e a participação em determinadas instituições já não serão tomados como fatos evidentes em si, mas como construções históricas, singulares e contingentes, apenas falsamente necessárias. A filosofia de Foucault não repousa sobre uma suposta oposição entre indivíduo e sociedade. Ao contrário, se coloca em uma perspectiva de crítica permanente do nosso ser histórico e social.
Palavras-chave: governo, individualismo, práticas de si.