64ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 6. Liguística
PC FARIAS E ESQUEMA DE CORRUPÇÃO: MEMÓRIA DISCURSIVA E EFEITOS DE SENTIDO DO ENUNCIADO “NÓS ESTAMOS TODOS SENDO HIPÓCRITAS AQUI”
Katharinne Dantas Viggiato 1,4
José Carlos Melo Miranda de Oliveira 1,3,4
Vinícius Fonseca-Nunes 1,3
Mayara Archieris Amorim 1,2
Jakeline Jesus Abade 1,2
Maria da Conceição Fonseca-Silva 1,2,5
1. Laboratório de Pesquisa em Análise de Discurso - LAPADis/UESB
2. Depto.de Estudos Linguísticos e Literários - DELL/UESB
3. Depto. de Ciências Sociais Aplicadas – DCSA/UESB
4. Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade - PPGMLS/UESB
5. Profa. Dra./Orientadora, PPG Memória: Linguagem e Sociedade - PPGMLS/UESB
INTRODUÇÃO:
Neste trabalho, apresentamos recorte de resultado de pesquisa ligada ao projeto temático "Mídia, memória discursiva e efeitos de sentidos da corrupção política no Brasil”, que toma os escândalos de corrupção como objeto de pesquisa. Consideramos que um ato de corrupção só se transforma em escândalo quando existe um percurso de visibilidade, ou seja, quando é descoberto. Dessa forma, “a articulação pública do discurso denunciatório é a condição para que uma corrupção se transforme em um escândalo” (FONSECA-SILVA, 2009). O resultado da análise do recorte que realizamos para este trabalho diz respeito aos efeitos de sentido e pontos de deriva do enunciado “Nós estamos todos sendo hipócritas aqui”, proferido pelo empresário e ex-tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor de Mello, Paulo César Farias, o PC Farias, durante um dos momentos da CPI que investigava o esquema de corrupção, que se tornou um escândalo político, envolvendo PC e Collor (primeiro governante escolhido de forma direta pelo povo brasileiro depois da Ditadura Militar), e publicado na edição 1940, de 16 de junho de 1992 da revista de informação Veja.
METODOLOGIA:
O corpus da pesquisa da qual originou este trabalho constitui-se de todas as edições da revista semanal Veja que tratam de forma geral do fenômeno da corrupção no Governo Collor, bem como nos governos posteriores, e encontra-se, em análise, no Laboratório de Pesquisa em Análise de Discurso (LAPADis), pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Análise de Discurso (CNPq/Uesb). No tocante a Fernando Collor, foram quantificadas 85 edições e capas (1987 a 1996) da revista Veja. Salientamos, entretanto, que, apesar da extensão do corpus, a questão da pesquisa neste traballho está relacionada somente ao caso PC Farias. Foram catalogadas e analisadas todas as edições e reportagens de capa referentes ao escândalo de corrupção política que envolvia o ex-tesoureiro. O recorte que fizemos para apresentar neste trabalho diz respeito a um dos enunciados (e seus pontos de deriva) da matéria intitulada “Retórica Clandestina”, publicada na edição 1249 da revista Veja que foi colocada em circulação nacional no dia 17 de junho de 1992. Na análise, mobilizamos pressupostos teóricos da área de Análise de Discurso, disciplina de entremeio, que toma a língua da ordem material, da opacidade, da possibilidade e do equívoco como fato estruturante.
RESULTADOS:
Os resultados da análise indicaram que a materialidade significante “Nós estamos todos sendo hipócritas aqui”: a) mobilizou o discurso em que a sociedade brasileira é hipócrita, materializado também no enunciado “A sociedade brasileira tem uma notável habilidade para a hipocrisia”; b) colocou em jogo uma série de outras formulações já enunciadas reatualizando-as; c) funcionou como ponto de deriva, convocando o enunciado "Nós não vamos comer brioches, certo? Então não vamos falar do pão", que, com efeito de sentido de desdém, referiu-se não somente à investigação durante a CPI que fora tratada com irrelevância, mas retomou a expressão "Se não têm pão, que comam brioches!", atribuída a Maria Antonieta (rainha da França no período de 1774 a 1789), no período de escassez de alimentos na França, indicando, de um lado, que essa ligação e as filiações históricas possíveis se organizam em memórias, e as relações sociais se organizam em redes de significantes; e, de outro lado, que as transgressões da língua ocorrem pelo equívoco constitutivo, lugar do impossível, e as transgressões do discurso ocorrem pela ruptura de sentidos e pela emergência de novos sentidos.
CONCLUSÃO:
Os resultados indicaram que a mídia, ao fazer trabalhar um acontecimento discursivo em seu contexto de atualidade e no espaço de memória que ele convoca, possibilita o gesto de leitura que aponta o confronto discursivo de um acontecimento aparentemente improvável, mas que já havia começado antes de sua emergência na CPI do esquema de corrupção que envolvia PC Farias. Dessa forma, em sua aparente estabilidade, o enunciado “Nós estamos todos sendo hipócritas aqui” (des)organiza-se, quando tomado como acontecimento discursivo, no funcionamento de uma memória que retoma enunciados anteriores, trabalhando como condição do legível, no sentido de Pêcheux (1983), para quem todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação de redes de memória discursiva trajetos sociais.
Palavras-chave: Memória discursiva, Acontecimento discursivo, Corrupção política.