64ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 14. Zoologia - 6. Zoologia
ETNOBIOLOGIA KARAJÁ: UM ESTUDO DAS PERCEPÇÕES E DA SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA DE REPRESENTANTES INDÍGENAS DA ALDEIA BURIDINA, ARUANÃ, GO.
Welinton Ribamar Lopes 1
Maria Nazaré Stevaux 1
Renan Uassuri 2
Raul Hawàkàti 2
1. Programa FaunaCO - Universidade Federal de Goiás
2. Membro de Comunidade Tradicional Indígena
INTRODUÇÃO:
Estudos das relações entre comunidades tradicionais e a biodiversidade são objetos de estudo da Etnobiologia, área da ciência que busca inferir como os diversos povos compreendem seu ambiente natural e cultural. O povo Karaja se encontra hoje distribuído em 29 aldeias em toda a extensão da Bacia do Rio Araguaia somando uma população de aproximadamente 3000 pessoas. Apesar de ter sido o centro de origem deste povo, a aldeia Buridina é a que mais perdeu identidade, muito provavelmente porque está em ambiente urbano com forte potencial turístico. Desde 1994, a associação indígena da aldeia Buridina vem desenvolvendo o projeto Maurehi de resgate e manutenção da identidade cultural. Este trabalho verificou as percepções de representantes indígenas sobre a fauna (sistemática, taxonomia, ecologia e comportamento) bem como sua influência no cotidiano da comunidade da Aldeia Buridina, etnia Inỹ. Em associação com o cacique e educadores indígenas, foram elaborados recursos didáticos bilíngues sobre o tema, destinados a escola indígena local. Este recurso é único e fundamental para uma educação diferenciada, conforme estabelecido pelo MEC.
METODOLOGIA:
O estudo foi realizado na aldeia Buridina, com 210 integrantes, situada em Aruanã, estado de Goiás, Brasil. Os dados foram obtidos em entrevista aberta semi-estruturada, realizada em junho de 2010. Utilizando a estratégia de projeção de imagens da fauna local (82 fotos de diferentes invertebrados terrestres – em sua maioria insetos - em diversos estágios do desenvolvimento) para os entrevistados (todos representantes indígenas: cacique, educadores e membros da associação indígena) e na presença de funcionários da FUNAI, foram aplicadas as entrevistas e feitos os registros das informações, em anotações e filmagens. As fotografias projetadas foram registradas na região de Aruanã e fazem parte do acervo do Banco de Imagens do Programa FAUNACO (ICB/UFG). Todos os dados obtidos foram sistematizados e ordenados de modo a compor recursos didáticos bilíngue destinados à escola indígena local.
RESULTADOS:
Foram atribuídos aos animais predicados que permitiram agrupamentos, conforme sua utilização pela comunidade: (a) culinária: principalmente tartarugas e peixes diversos; (b) medicinal: capivara, sucuri, tracajá, abelhas; (c) rituais: caçada ao cateto, ritual de passagem, pintura corporal; (d) artístico: decoração de utensílios domésticos, habitações, canoas, esculturas, desenhos, pinturas e enfeites corporais; (e) atividades lúdicas: gafanhoto, libélula, cigarra, moscas. Os mais conhecidos são vertebrados, o que pode ser conseqüência de vários fatores (tamanho, utilidade e identidade), mas invertebrados não são ignorados. De forma ampla (35%) os indígenas não reconhecem os insetos como fauna sendo definidos como “animais que imprimem sentimentos de nojo, medo, aversão e perigo em potencial”. Os mosquitos culicídeos exibidos (Aedes aegypti, Ae. albopictus e Culex quinquefasciatus) foram identificados como “muriçoca comum com atividade noturna”. As larvas e pupas desses mosquitos são conhecidas como “cabeça de prego” que “se desenvolve em água limpa ou suja”. A maior parte do conhecimento indígena sobre animais é transmitida de geração para geração, embora uma gama de informações seja contribuição da cultura não indígena.
CONCLUSÃO:
A importância da fauna na cultura e no cotidiano karajá ficou bastante evidente nos resultados e, principalmente para os indígenas. No entanto, vale lembrar que a comunidade em estudo está empobrecida em sua cultura tradicional, em função do longo período de convívio com o não índio e por ser a região uma área relevante de atividade turística em Goiás. Nesse sentido, o material didático construído em parceria com indígenas revela-se uma inovação, tanto pelo tema (fauna), como pela ausência total desse recurso para a etnia Karaja. O ponto alto deste estudo foi promover uma recuperação de memória, visto que os próprios participantes indígenas afirmaram ter perdido a referência sobre seus conhecimentos tradicionais. A ideia de associar o ensino/aprendizado da fauna com sua importância cultural, aliando as informações a mitologia e atividades culturais diversas, motiva e reforça a identidade étnica deste grupo indígena remanescente.
Palavras-chave: Etnozoologia, Conhecimento tradicional, Material didático indígena.