64ª Reunião Anual da SBPC |
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito |
O DITO E O INTERDITO NO CASO DOS MENINOS EMASCULADOS DO MARANHÃO : uma análise dos dispositivos de produção de verdades. |
VALDIRA BARROS 1,2 |
1. Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas -UFMA 2. Profa. Dra./Curso de Direito da Faculdade São Luís |
INTRODUÇÃO: |
Este trabalho tem como referencial empírico o “caso dos meninos emasculados do Maranhão”, como ficou conhecida uma série de homicídios, em que as vítimas eram meninos, a maioria com idade entre 09 e 15 anos, encontrados mortos sem as genitálias. Esses crimes ocorreram entre os anos de 1991 e 2003, na área que interliga a capital do Maranhão, São Luís, e os municípios de Paço do Lumiar e São José de Ribamar. Em 2004 foi apontado como autor de todos os crimes Francisco das Chagas Rodrigues Brito, o qual teria confessado o assassinato de 30 meninos. Durante as investigações, as hipóteses explicativas levantadas pela polícia e pela mídia associavam os primeiros suspeitos a práticas relacionadas à homossexualidade ou aos chamados “rituais de magia negra”. Apoiada nas formulações de Foucault (2000), levantei a hipótese de que estes são temas interditos, isto é, assuntos dos quais não se pode falar em qualquer circunstância e para os quais existiriam sujeitos autorizados para abordá-los. São temas que, por isso, mesmo carregam representações que os associam ao irregular, ao desvio, ao que estaria fora da “normalidade”. A partir destas reflexões, surgiu a proposta de analisar como esses temas aparecem nas práticas judiciárias de pesquisa da verdade, com destaque para o inquérito policial. |
METODOLOGIA: |
Para delimitação do objeto de estudo me referenciei no pensamento de Michel Foucault, nos trabalhos em que levanta hipóteses analíticas acerca dos processos de produção da verdade, considerando as estratégias de poder e saber subjacentes a esses processos. Realizei pesquisa documental no Centro de Defesa Marcos Passerini-CDMP, entidade que desenvolveu um trabalho de monitoramento das investigações policiais.Visitei também a Biblioteca Pública Benedito Leite, em São Luís-MA, para realização de pesquisa nos jornais datados dos anos de 1991 e 1992, período em que ocorreram os primeiros crimes. Além disso, participei de reuniões com familiares dos meninos assassinados e com representantes de agências governamentais, a exemplo da Secretaria de Segurança Pública e Ministério Público Estadual. A partir destes levantamentos, selecionei para o estudo dois processos judiciais, em que dois suspeitos foram levados a julgamento pelo Tribunal do Júri Popular. Como técnica para análise dos dados, recorri à análise de discurso, por ser esta uma ferramenta que rejeita a noção de que a “linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir ou descrever o mundo” (GILL, 2002, p.244), possibilitando uma investigação que considera o dito e não dito como elementos do discurso. |
RESULTADOS: |
A atuação do Centro de Defesa Padre Marcos Passerini pode ser apontada como um fator decisivo para que o caso dos meninos emasculados se configurasse em um problema social, sobretudo, após o CDMP ter acionado uma agência internacional, no caso a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, é que se consegue romper a invisibilidade destes crimes pelo poder público, o qual, pressionado nacional e internacionalmente, vê-se obrigado a incluir o caso na agenda governamental. Os jornais também tiveram um importante papel para que os crimes ganhassem visibilidade pública. Contudo, em muitos momentos, construíram uma informação, cujo efeito de verdade reforçava estigmas acerca da homossexualidade e dos cultos de matriz africana, além de contribuírem para construir um discurso de condenação, pela forma minuciosa com que descreviam os crimes e esboçavam o perfil do criminoso. A análise dos inquéritos permitiu constatar a recorrência de um padrão de investigação, em que se procurava associar a conduta criminosa atribuída ao suspeito a algum comportamento desviante que este pudesse ter tido no passado. Observou-se nesta análise que a polícia produziu um discurso com efeito de verdade em que as pessoas apontadas como suspeitas apareceram como anormais e perigosas. |
CONCLUSÃO: |
Em vista disso, percebo que os jornais, tanto quanto a polícia, recorreram aos “interditos” para produzir a sua informação, a sua verdade, atuando em alguns momentos como uma verdadeira agência do sistema penal, através de manchetes que promoviam a condenação não só dos suspeitos, mas também dos homossexuais e das chamadas religiões de matriz africana. A maneira como a polícia compõe o inquérito contraria alguns princípios constitucionais que são bases para um pleno exercício da democracia e da cidadania no Brasil. Nesse aspecto, a seletividade na instauração dos procedimentos policiais, a partir de critérios sócio-econômicos, e o uso da tortura como método investigativo, evidenciados no caso dos meninos emasculados denotam que a verdade produzida no Inquérito policial tem na sua gênese a marca da cultura autoritária e de desigualdade que permeia a sociedade brasileira e, por conseguinte, a atuação da polícia. |
Palavras-chave: Inquérito Policial, Interdito, Anormal. |