65ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 10. Educação Rural
EDUCAÇÃO E RESISTÊNCIA: A EXPERIENCIA LIBERTADORA DO GINÁSIO ESTADUAL ARAGUAIA
Paulo Cesar Moreira Santos - Instituto de Educação - UFMT
INTRODUÇÃO:
A gênese da experiência educacional na região do Médio Araguaia - MT se apresentou carregada de resistências e repressões. Originalmente nascida dentro e a partir de um povo desconsiderado pelo regime militar vigente à época, ela aparece e cresce às margens das políticas de Estado e, portanto, oficialmente condenada a desaparecer senão assimilada pelas estruturas hegemônicas.
Na década de 1960, a população que constitui a região era composta de diversos grupos indígenas e alguns “patrimônios”, formados por famílias campesinas advindas de diversos lugares do país. Essas se encontravam desamparadas na questão educacional, não ultrapassando a possibilidade de freqüentar um curso primário com sérias precariedades.
Do ponto de vista social, a região estava sendo invadida por empresas agropecuárias que intentavam controlar as terras que haviam sido repassadas a elas. Nesta lógica, indígenas e posseiros teriam que ser retirados para dar espaço à chamada “pata do boi”, o grande investimento dos novos latifundiários da Amazônia Legal.
O cenário que se estabelece é de uma desproporcional relação de forças entre o latifúndio e a população local, que habitavam há décadas aquele espaço e que, a partir deste momento, não tinham o direito reconhecido de continuar vivendo no seu território.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Estudar a implantação do Ginásio Estadual Araguaia – GEA na região nordeste do Estado de Mato Grosso, buscando compreender os elementos fundamentais de uma pedagogia que nasce em meio a um grave conflito social, como também a real influência dessa pedagogia na região e na construção da autonomia dos alunos e alunas que experienciaram o seu curto período de funcionamento.
MÉTODOS:
O presente trabalho constitui-se em um estudo de caso sobre o Ginásio Estadual Araguaia – GEA e sua importância pedagógica na formação das famílias que habitavam a região do Médio Araguaia nas décadas de 1960 e 1970.
Abrange o campo da pesquisa qualitativa, em decorrência da necessidade de apreensão de elementos da objetividade dos fatos históricos, como também da subjetividade existente nas relações entre a pedagogia implantada, as comunidades envolvidas e o conflito subjacente.
Baseia-se em levantamento e revisão bibliográfica, coleta de dados em arquivos e entrevistas (semi-estruturadas) a professores, alunos do GEA e pessoas envolvidas no referido processo histórico.
A pesquisa foi fundamentada em uma abordagem dialético-histórica investigativa, visando à ação político-pedagógica dos agentes pastorais e das comunidades frente ao conflito. Para tanto, foram utilizados os aportes teóricos de Bourdieu (2007), Freire (1980), Micelli (1979) e Brandão (1993). Sobre o período do regime militar, foram consultadas as obras de Martins (1986, 1994), Santos (1993) e Ianni (1981).
Foram empregadas na análise o estudo do processo de formação da consciência, na visão de Gramsci (1978), das ações coletivas e da busca por reconhecimento dos grupos afetados, na acepção de Hooneth (2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Pode-se constatar que a influência do GEA foi de significativa importância política para a região, no período de 1971 a 1973. Dentre os principais resultados que a pesquisa aponta, destaco a criação do ginásio como uma reação da Igreja local à forte onda da política desenvolvimentista e de negação das populações campesinas, que estava em andamento.
Devido à ausência de um poder estatal democrático e da forte carência da região a igreja acabou por assumir, ainda que consciente do processo, um papel de suplente do Estado na educação, saúde e outras problemáticas. Nasceu, a partir de então, o GEA, que implantou um modelo educacional organizado e crítico, com um nível alto de ensino, passando a ter forte influência na vida da população frente aos conflitos pela terra, na conscientização, elaboração e interpretação do mesmo.
A partir de então, uma região bastante isolada passou a se tornar referência no enfrentamento ao latifúndio por parte das famílias campesinas e, de outro lado, o governo militar interpretou o movimento educacional na região como parte da subversiva guerrilha do Araguaia, culminando no fechamento do GEA, como forma de combater e reprimir o tipo de educação transmitida e toda atuação da igreja na região do Médio Araguaia.
CONCLUSÕES:
A experiência educacional organizada e articulada com a população local foi de fundamental importância para a resistência e permanência das famílias na terra.
Já em 1971, Pedro Casaldáliga escreve uma Carta Pastoral intitulada “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”, em que denuncia a violência gerada pelos projetos agropecuários como também, dentre outros, explicita a situação caótica da educação na região e os reais motivos da Igreja local em relação à construção do Ginásio Estadual Araguaia.
Por opção da Igreja o GEA mantinha um vínculo estatal, mas a organização estava sob a sua total responsabilidade. O seu funcionamento começou em 1971, oferecendo a primeira e segunda série do ensino ginasial, sendo que a cada ano aumentava a oferta com a série seguinte. Havia também curso de alfabetização de adulto e curso para professores do sertão.
Devido aos reflexos políticos pedagógicos, apenas três anos após sua fundação, o GEA foi retirado das mãos da Igreja pelos generais da ditadura e diversas ameaças foram feitas aos agentes pastorais. No entanto, é possível perceber a partir dos depoimentos coletados, que a incidência do ginásio ecoou fortemente na vida social, política e pessoal dos que fizeram parte do seu curto período de atuação.
Palavras-chave: Médio Araguaia, ditadura militar, educação libertadora.