65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 10. Comunicação - 8. Comunicação
Oralidade e Memória na história dos cinemas da Serra da Bodoquena (MS)
Lairtes Chaves Rodrigues Filho - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Antonio Henrique Silva Negruny - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Daniela Cristiane Ota - Profa. Dra./Orientadora - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
INTRODUÇÃO:
As relações entre cultura, território e memória constituem espectros únicos de pesquisa na compreensão da forma como as mídias interferem ou não, na dinâmica local/global e no agendamento dos assuntos discutidos pela sociedade.
Resgatar e registrar a memória de determinada região é sobremaneira, tornar permanente as dinâmicas de formação da identidade e da regionalidade nas cidades e complexos. Em termos de processos de formação cultural, comunicação e linguagem são elementos de identificação e de delimitação territorial, considerando que a territorialização acontece tanto geograficamente quanto culturalmente, sem uma ordem obrigatória.
Nas dinâmicas da regionalidade, a pesquisa em comunicação tem um papel fundamental, pois permite o resgate e a análise sistêmica da importância e influência dos produtos culturais e das mídias da formação cultural e política das populações.
O desafio maior é compreender os processos de mediação e mapear sistematicamente essa influência quando não há registros ou uma história escrita da presença dos mesmo.
Quando a história, inclusive a história e influência dos media, não encontra espaço no texto escrito, cabe à hereditariedade e a memória das populações a construção e o registro do desenvolvimento de suas regiões através do texto oral.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Permitir a identificação e reflexão acerca das relações entre oralidade, memória social e territorialização nos processos de comunicação, atuando como registros e fonte de pesquisa do patrimônio cultural imaterial sobre os cinemas como espaço de comunicação e de encontros nas cidades da Serra da Bodoquena em Mato Grosso do Sul.
MÉTODOS:
Num primeiro momento optou-se pela identificação quantitativa das salas de cinema nos municípios da Serra da Bodoquena (Bonito, Jardim, Bodoquena, Bela Vista, Caracol, Nioaque e Guia Lopes da Laguna; todos no estado de Mato Grosso do Sul). Após essa identificação procedeu-se com a busca por registros históricos, administrativos e jurídicos das mesmas. O cenário ficou inócuo após a descoberta da inexistência de documentos sobre os cinemas. Focou-se a pesquisa então no município de Jardim onde existia por meio da oralidade a manutenção do registro de memória sobre um cinema intitulado Cinejardim. A partir daí foram feitas visitas e gravação de entrevistas sobre o método das Histórias de Vida, de forma dirigida para registrar essa memória oral e transformar num objeto de estudo e consulta do patrimônio cultural imaterial. A memória e sua transmissão oral permitem que a narrativa histórica modifique a escrita de estórias centralizada em grupos de poder, tornando protagonistas personagens que vivenciaram as histórias muitas vezes não presentes nos livros, grupos de personagens estes que exigem reconhecimento social e que lançam mão da memória coletiva como catalisadora e mediadora de um sentimento de pertencimento e identidade. A matéria prima e objeto principal do estudo estabeleceram-se então apenas pelo uso do relato acerca da história das cidades e dos cinemas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Em Guia Lopes encontraram-se relatos e registro de planta de um cinema, desativado no começo dos anos 90. Em Bonito relata-se a presença de um cinema entre 1980 e 1986. Bodoquena não teve cinemas ou salas de exibição. Jardim teve dois cinemas, um iniciado na década de 60, logo após a fundação da cidade, destruído por ordem do comando militar em 1989 e, outro comercial, falido pela falta de público e período desconhecido. Os dados históricos não puderam ser conhecidos por registros, mas pela memória das pessoas que vivenciaram essa história. O relato oral por si configurava uma narrativa rica em detalhes e descrição de cenários e personagens, que por si permitiam o entendimento de contextos e formação sócio-política das cidades. Entendeu-se nessa pesquisa a necessidade de se conservar documentos, depoimentos, imagens e áudio; a existência de um suporte material é imprescindível, pois permite registrar o pensar, o sentir, a história, os saberes de uma comunidade em determinado período. Ao todo foi elaborado uma lista de contatos com 90 nomes e telefones de pessoas que vivenciaram o Cinejardim em seu surgimento e existência,das quais 25 entrevistas foram feitas e 12 gravadas para a elaboração de uma série radiofônica que registra essa história chamada “Cinejardim: Memória e Patrimônio” apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso em fevereiro de 2013.
CONCLUSÕES:
O registro através da narrativa pode expressar a realidade vivida pela sociedade em outro período. Nesse caso, o registro oral por áudio ou vídeo, torna a narrativa mais fidedigna a vivência dos personagens fontes. O registro mantém e enriquece as emoções, experiências e opiniões sem a interferência de um segundo narrador que sem intenção pode subtrair tais sentimentos. Esses sentimentos contribuem para a valorização da regionalidade, identidade e fontes que a narrativa histórica não tem esmero de repassar.
O texto oral não é apenas fonte histórica, mas patrimônio cultural imaterial e deve ser preservado à medida que conserva em suas especificidades a narrativa do desenvolvimento e da formação cultural, identitária e de território das cidades por meio de sua população. A memória oral e a narrativa que trata da experiência dos personagens que construíram as cidades e vivenciaram de forma direta a ação dos produtos culturais, é fundamental para o entendimento do desenvolvimento de sua região. A perda da oralidade pode representar num cenário pessimista não apenas a perda definitiva da história audiovisual não registrada, mas a perda de marcas de um patrimônio cultural imaterial. Independentemente do meio de comunicação estudado ou analisado, o objeto de pesquisa nesses casos protagoniza no âmbito da oralidade e da memória coletiva que é dinâmica, exclusiva e perecível à medida que com o fim da vida dos personagens, encerra-se a narração dos acontecimentos.
Palavras-chave: Oralidade, Cinema, Memória Social.