65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 7. Música e Dança
ANÁLISE DA EXPRESSÃO CORPORAL NA DANÇA DO JONGO DA COMUNIDADE JONGO DITO RIBEIRO
Wanessa Oliveira Di Guimarães - Depto. de Artes Corporais – Unicamp
Inaicyra Falcão dos Santos - Profa. Dra./Orientadora - Depto. de Artes Corporais – Unicamp
INTRODUÇÃO:
O Jongo, remanescente do legado bantu, também chamado Caxambu ou Tambu, é uma manifestação popular característica de comunidades negras do Sudeste brasileiro, que se originou das danças realizadas por escravos nas fazendas cafeeiras.
Esta pesquisa investigou a expressão corporal na dança do Jongo da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, na cidade de Campinas, SP. Para isso, entendeu-se expressão corporal nessa dança como o conjunto formador das células coreográficas básicas do Jongo, que na comunidade referida são duas; e os movimentos e comportamentos corporais individuais que os jongueiros trazem na sua própria forma de expressão. Esses comportamentos corporais individuais são, muitas vezes, traduzidos em forma de desafio, em que os jongueiros tentam se superar em esperteza, virtuosismo e agilidade, na dimensão específica do Jongo, cujo espaço-tempo é reelaborado e reatualizado a cada roda.
A relevância desta pesquisa se faz pela carência de estudos na área de dança referentes ao Jongo; por acreditar na força do registro na preservação do patrimônio, da memória e da cultura afro-brasileira; pelo valor da comunidade em reconstituir na cidade de Campinas, SP, tal manifestação; pela legitimidade do Jongo, Patrimônio Imaterial Brasileiro e Patrimônio Cultural do Brasil.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Esta pesquisa teve os seguintes objetivos: obter e expor registros fotográficos e audiovisuais da dança do Jongo da Comunidade Jongo Dito Ribeiro; e analisar a expressão corporal de cinco jongueiros na dança do Jongo da comunidade citada, considerando as duas células coreográficas básicas desse Jongo, comum a todos os integrantes e os movimentos e comportamentos corporais individuais.
MÉTODOS:
“Só depois me apercebendo de seus grotões misteriosos, das sombras que nela perpassam, dos risos que vem não sei de onde, dos feitos assustadores que acontecem, tudo muito lá dentro, onde a luz não alcança.” (RIBEIRO, 1984, p. 29). “Só quem tem vivido com jongueiros é capaz de ouvir e de entender o jongo...” (RIBEIRO, 1984, p. 23).
A metodologia desta pesquisa constituiu-se em leitura de bibliografia previamente selecionada, pesquisa de campo com observações participativas e obtenção de registros fotográficos e audiovisuais da Comunidade Jongo Dito Ribeiro. Essas vivências em campo permitiram a experimentação do movimento e a escolha de cinco jongueiros, entre mulheres e homens, cujos comportamentos corporais individuais foram analisados posteriormente. Foram escolhidos aqueles jongueiros que demonstraram maior familiaridade com a dança, vivência do Jongo e peculiaridades no movimento.
A partir das pesquisas de campo e registros fotográficos e audiovisuais, fez-se a análise, descritiva e qualitativa da expressão corporal na dança do Jongo da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, recorrendo-se à Corêutica – estudo da organização espacial dos movimentos – e à Eukinética – estudo do ritmo e dinâmicas, qualidades expressivas do movimento – ambas fundamentadas por Rudolf Von Laban (1879-1959).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Ao contrário de uma abordagem folclórica e estagnada, esta pesquisa optou por um enfoque que percorresse as tradições e saberes específicos do Jongo, mas também o dinamismo desta manifestação. Dessa forma, as pesquisas de campo com a comunidade foram essenciais para o contato com os dados ocultados pelos livros, principalmente aqueles inexprimíveis em palavras.
Toda a pesquisa foi um importante espaço de vivência do corpo e de aplicação dos estudos teóricos de dança à prática: pela Corêutica, que trata dos princípios espaciais, pôde-se estudar a progressão ou trajetória do movimento do Jongo no espaço, considerando os planos, direções e níveis; e pela Eukinética, que diz respeito à dinâmica expressiva, pôde-se examinar os fatores Fluência, Peso, Espaço e Tempo na dança do Jongo.
Sem nenhum propósito de fixação do Jongo, mas acreditando-se na força do registro da Dança da Comunidade Jongo Dito Ribeiro na preservação do patrimônio, da memória e da cultura afro-brasileira, foram produzidas ilustrações da trajetória de deslocamento dos dançantes e dos passos executados pelos pés durante a dança. Utilizando a linguagem musical, registrou-se o tempo-ritmo dos intervalos em que os pés pisam no chão em cada célula coreográfica, com base na escrita rítmica dos tambores do Jongo.
CONCLUSÕES:
Maria de Lourdes Borges Ribeiro (1984, p.30), sobre a letra dos pontos, nome dado à fala ou aos cantos no Jongo, afirma que “a simbólica do Jongo não pode ser dicionarizada. Não é estática, cria uma semântica ligeira, móvel, escapadiça, fugidia (...), o que não permite regra nem fixação; é livre, solta, de voos arrojados”.
O mesmo pode-se aplicar à Dança do Jongo. A pesquisa “Análise da Expressão Corporal na Dança do Jongo da Comunidade Jongo Dito Ribeiro” confirmou o caráter dinâmico desta manifestação; o funcionamento das células coreográficas básicas como fonte geradora das infinitas variações e virtuosismos dos jongueiros; a presença em cada indivíduo da junção entre os símbolos coletivos e sua força individual, reduto de resistência, criatividade e beleza.
Mesmo com os objetivos da pesquisa alcançados e conseguindo que “os desenhos visíveis da dança [fossem] descritos em palavras”, sabe-se que “seu significado mais profundo é verbalmente inexprimível” (LABAN, 1978, p. 53). Dessa forma, muito não foi possível apreender. “É que eles falam uma língua diferente, usam as nossas palavras, mas o sentido é outro, como se enchessem de enigmas. E enigmas são. O Jongo é assim mesmo. Um ponto cuja decifração nos escapa” (RIBEIRO, 1984, p.29).
Palavras-chave: Manifestação Popular, Cultura Afro-brasileira, Rudolf Von Laban.