65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 4. Sociolinguística
MULHERES DO VALE DO RIO MANTARO: LUGARES PARA SE PENSAR O FEMININO NA CULTURA ANDINA
Ana Paula Lino de Jesus - Depto.de Linguística – Unicamp
Anna Christina Bentes da Silva - Profa. Dra./Orientadora – Depto.de Linguística – Unicamp
INTRODUÇÃO:
Surgido de um trabalho etnográfico realizado no referido local durante um semestre de intercâmbio acadêmico junto à Pontificia Universidad Católica del Perú (através do Programa de Movilidad Estudiantil oferecido pela CORI-Unicamp), o estudo relacionou entrevistas realizadas em campo à descrição etnográfica feita durante um matrimonio costumbrista e outras festas tradicionais vivenciadas. Este estudo trata, portanto, das instâncias ontológicas responsáveis pela produção de imagens que se organizam em torno do feminino, bem como daquelas de sua fuga simbólica.
Sendo um trabalho de caráter transdisciplinar, ele acabou por se estender para, além da Antropologia, ao campo da arte da fotografia, da música e da performance-cênica, ademais de servir de tema para um minicurso realizado da Faculdade de Americana, durante a Semana de Estudos de Letras e de Pedagogia (SEL-FAM e SEP-FAM) (em 23/11/2011), e de ser apresentado em formato de pôster no XX Congresso Interno de Bolsas PIBIC, na Unicamp (no dia 24/10/2012). Por fim, acabou sendo premiado por Mérito Científico na categoria “Melhor Tema Livre”, no dia 13/01/2013 na Unicamp.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Este estudo de iniciação científica realizado entre os anos de 2011 e 2012 sob o fomento do CNPq teve como objetivo a exploração de categorias que possibilitassem o desenvolvimento de uma investigação, em nível linguístico-discursivo, de como o feminino é significado na/pela mulher andina, mais especificamente, da comunidade de Hualhuas localizada no vale do rio Mantaro nos Andes Centrais do Peru.
MÉTODOS:
Para fins de análise optou-se por uma visão sincrônica que possibilitasse a exploração e a (des)construção de toda a realidade materializada no corpus, partindo de uma discussão comparativa entre os valores ocidentais e os não-ocidentais e organizando o chamado “presente etnográfico”. Certas literaturas do campo da Antropologia (da Etnografia e dos Estudos de Gênero) serviram de apoio.
O trabalho se moveu de acordo com a hipótese de que haveria duas possíveis imagens discursivas distribuídas por entre as informantes, sendo ambas contempladoras de ordens correspondentes a uma matriz étnica e sócio-política híbrida, com um passado submetido a um colonialismo e um presente submetido a um imperialismo. A primeira imagem seria a do feminino, e a segunda, a de seus aspectos fugidios (contrários), e não haveria impedimentos de ambas aparecerem em conjunto no discurso de uma só mulher. Para que eficazmente fossem determinadas estas imagens discursivas, fez-se uso de uma análise tópica (método linguístico-discursivo), bem como de métodos antropológicos estruturais definidos por Lévi-Strauss (1970) em seu trabalho de análise sobre os mitos, utilizando de forma complementar certos conceitos explorados por Amossy (2005) em seu livro “Imagens de si no discurso: A construção do ethos”.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
As seis mulheres entrevistadas não provinham todas de Hualhuas, e muitas delas tampouco exerciam seus trabalhos somente naquele povoado. Partindo da proposta deste estudo que de modo geral procurava a compreensão da circulação de sentidos entre as mulheres hualhuínas e as imigrantes, de como cada uma delas interpretaria o feminino, no conjunto das entrevistas realizadas e devidamente transcritas, o material textual foi submetido a uma série de procedimentos analíticos para a obtenção dos resultados.
O conteúdo bruto daquelas falas passou por uma análise tópica realizada a partir de aportes de Bentes & Rio (2006), Jubran & Koch (2006) e Jubran et al (2006). O resultado, então, foi disposto a uma análise por feixe de relações, utilizando-se aportes de Lévi-Strauss (1970) e Saussure ([1916] 2006), o que facultou a constituição de traços imagéticos para o predicado [ser mulher]. Estes traços, por fim, foram peneirados por uma fina análise metafórica e metonímica, permitindo determinar traços ontológicos para cada uma das seis entrevistadas.
O resultado foi um complexo de traços que condiziam com a dupla imagem hipotética do feminino, corroborando também com a tendência tensamente híbrida da cosmovisão andina contemporânea, que combina aspectos autóctones e europeus.
CONCLUSÕES:
O feminino foi sendo evidenciado de maneira múltipla: longe de ser uma categoria fechada, a lei que o regia era de natureza variável. De um povoado a outro, era possível evidenciar diferentes significados, e inclusive dentro do povoado de Hualhuas esse símbolo variava. Tornava-se cada vez mais claro que o feminino tampouco se limitava a um corpo para se significar.
Interessantemente, as cosmovisões andina e hispânica acabavam por entrar num embate dialógico no interior daquele símbolo: por exemplo, ao mesmo tempo em que ainda perdurava uma conexão com o ícone andino feminino por excelência, a Terra (Pachamama), e uma necessidade fortíssima de fazer existente uma consciência sobre o próprio corpo e o espírito, fazia-se constante a preocupação com a norma heterossexual, o casamento obrigatório e a virgindade como sagrada. Fugir às normas morais e híbridas do universo andino contemporâneo acarretava numa série de complicadas e fantásticas consequências: os incestuosos, as solteiras, aqueles que contraíssem matrimônio com forasteiros, todos estes estariam sujeitos a transformarem-se em perigosos monstros no tempo-espaço da noite.
Ademais destes aspectos, foi possível fazer uma significante análise linguística do castelhano andino, por meio de um profundo estudo do material transcrito.
Palavras-chave: Feminino Simbólico, Vale do rio Mantaro, Feixes de Relações.