65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 2. Direito Ambiental
ASPECTOS JURÍDICOS DO RESGATE DO CONHECIMENTO TRADICIONAL PARA A CONSERVAÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA
Ana de Araújo Carrion - Esp. - PUCRS
Karine Silva Demoliner - Profª Dra./Orientadora - Instituto do Meio Ambiente - PUCRS
INTRODUÇÃO:
O Brasil é conhecido como o País detentor da maior diversidade biológica do planeta e de grande riqueza cultural, cujo conhecimento a esta associado ‒ sobretudo à riqueza cultural de caráter tradicional, indica ser possível utilizar a natureza sustentavelmente. A importância do conhecimento acumulado pelas comunidades tradicionais com relação à manutenção dos bens naturais, por muito tempo, não foi reconhecida e ainda hoje o é de forma incipiente. Necessário é conhecer os aspectos jurídicos envolvidos com seu uso para que se possa compreender se o panorama jurídico consiste em uma das razões do atual quadro de subutilização do material autóctone. Nota-se que a legislação ambiental brasileira é deveras dispersa, inclusive no que tange ao tema da flora em âmbito federal, o que acaba dificultando o entendimento de suas questões práticas. Um passo importante em direção à regulamentação do uso dos bens naturais foi a Convenção sobre Diversidade Biológica. Assinada por 157 países, trata-se de um instrumento internacional pioneiro relacionado ao tema. No contexto interno, a Lei de Sementes e Mudas trouxe benefícios para a ampliação da qualidade dos recursos vegetais introduzidos no mercado, entretanto direciona-se essencialmente ao sistema formal.
OBJETIVO DO TRABALHO:
A presente pesquisa propôs-se a realizar uma reflexão a respeito de duas legislações (uma de caráter nacional e outra de âmbito internacional) atinentes à exploração sustentável dos bens autóctones, apontando alguns aspectos favoráveis e outros desfavoráveis ao uso da flora nativa por parte dos brasileiros e, em especial, por parte das comunidades tradicionais.
MÉTODOS:
Foram realizadas leitura e análise crítica de uma norma jurídica federal e de uma norma internacional, ambas de significativa importância no que se refere ao uso da diversidade biológica brasileira, enfocando a utilização dos recursos fitogenéticos autóctones: a Lei 10.711, de 2003 (conhecida como Lei de Sementes Brasileira) e a Convenção sobre Diversidadde Biológica, promulgada pelo Decreto Presidencial 2519 de 1998. Partiu-se do pressuposto de que os sistemas familiares ou comunitários são relevantes para a segurança alimentar do País e que auxiliam a conservação da diversidade genética. Além do mais, as estimativas indicam que um percentual significativo ‒ cerca de 1,4 bilhão de pessoas ‒ utilizam suas próprias sementes e que esses sistemas trazem consigo a história cultural de um povo, relacionada, por exemplo, à maneira de utilização daquele elemento natural. Nesse sentido, tentou-se compreender, apoiando-se no entendimento de autores que tratam do tema, de que forma o conhecimento tradicional é considerado por essas duas normativas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Aspectos importantes foram suscitados pela Convenção sobre Diversidade Biológica, entre os quais: a proteção de áreas naturais, o cuidado com a liberação e o uso de OGM´s, a necessidade de conter-se a introdução de espécies alóctones e de repartirem-se os lucros auferidos por meio do uso de recursos genéticos entre o país fornecedor e o responsável pela pesquisa. Ademais, sugeriu-se que as práticas de comunidades tradicionais deveriam ser largamente aplicadas, desde que com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento bem como com a divisão equitativa dos benefícios. Muitos destacam, todavia, que o sistema oficializado pela Convenção facilita o acesso aos recursos genéticos de espécies silvestres, mas não aos recursos fitogenéticos associados aos saberes agrícolas. Com relação à Lei de Sementes e Mudas, introduziram-se diversos instrumentos com vistas a registrar cultivares e pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividades relacionadas a elas. Agricultores familiares, assentados de reforma agrária e indígenas que utilizem esses bens internamente ficaram isentos da obrigação referida. Se essa diferenciação, por um lado, pode trazer benefícios a esses grupos sociais, porquanto as variedades locais dificilmente atingem a qualidade exigida; por outro, acaba por excluí-las do sistema econômico.
CONCLUSÕES:
Anteriormente à Convenção, vigorava o entendimento de que os recursos genéticos seriam patrimônio comum da humanidade. O acordo superou esse padrão e tornou os próprios Estados soberanos sobre seus recursos genéticos, trazendo benefícios às nações periféricas, grandes detentoras da diversidade biológica. Transformou, entretanto, como destacam estudiosos, esses recursos e os conhecimentos tradicionais em commodities, ou seja, tudo passou a ser valorizado no contexto da importância para o mercado. E o mesmo parece ter acontecido com a Lei de Sementes e Mudas a despeito de seus aspectos positivos (como a possibilidade de se regrar a produção, o armazenamento e o transporte do material vegetal e as exceções às normas obrigatórias de registro para cultivares locais, tradicionais ou crioulas). Como já salientado, a finalidade de utilização de espécies crioulas não é apenas econômica e comercial, mas também de preservação da história de um povo. Além do mais, o sistema informal faz uso de componentes vegetais adaptados a condições socioambientais locais, o que acaba por demandar menor quantidade de adubos artificiais, propiciando, assim, qualidade superior aos alimentos e conservação da agrobiodiversidade. Deveria, portanto, receber mais incentivo do governo.
Palavras-chave: Lei de Sementes Brasileira, Convenção sobre Diversidade Biológica, Cultura Tradicional.