65ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 5. História - 8. História Regional do Brasil
"O mar que transbordou para o sertão": o extravasamento do açude Orós e a inundação do Vale do Jaguaribe (CE), em 1960
Edwilson Soares Freire - Depto. de Pós-Graduação - UNESP, Campus de Franca
INTRODUÇÃO:
Mediante a leitura atenta de jornais de 1960 e dos livros publicados anos depois, bem como pela análise de depoimentos dos sertanejos que vivenciaram o que eles ainda hoje chamam de “arrombamento do Orós”, a pesquisa buscou entender o que realmente se passou naqueles dias de sofrimento. Levantou-se, também, a mitologia que se projetou, posteriormente, sobre o presidente Juscelino Kubitschek. Assim, a inundação que devastou as férteis terras do Vale do Jaguaribe é majoritariamente vista como culpa do “inverno rigoroso” e não como falta de planejamento adequado dos engenheiros do governo.
OBJETIVO DO TRABALHO:
O transbordamento do açude Orós para as terras do Vale do Jaguaribe, em março de 1960, é ponto de partida da pesquisa. Busca-se entender como os jornais da época, como os livros escritos posteriormente e também como os depoentes ouvidos recordam a catástrofe que mudou para sempre a história da região.
MÉTODOS:
Este trabalho – parte de minha corrente pesquisa de doutorado –, além da revisão bibliográfica, debruçou-se sobre consulta de jornais da época, e também constituiu um corpus de depoimentos de pessoas que presenciaram e vivenciaram a catastrófica inundação do Orós, que devastou as terras do Vale do Jaguaribe, quando os engenheiros responsáveis pela obra decidiram romper a parede antes que ela fosse destruída pelo furor das águas acumuladas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
O principal resultado da análise dos documentos (jornais, livros e depoimentos) aponta para uma profunda distinção de interpretações pelos três agentes históricos pinçados: jornalistas, escritores e depoentes. Os jornalistas conseguem apontar a culpa dos técnicos e do próprio governo de Juscelino Kubitschek por conduzirem a obra de construção do Orós “a toque de caixa”, com pressa e sem planejamento adequado. O sertanejo de modo geral, sobretudo quem era agricultor ou pecuarista na época, aponta como único culpado o “inverno rigoroso que se abateu sobre o Ceará”. Dos depoentes entrevistados, somente quem tem uma cosmovisão mais politizada da realidade da região conseguiu apontar falhas severas no projeto, inclusive na pressa do presidente Kubitschek em terminar a obra antes do fim de seu governo, cumprindo assim sua promessa de campanha. Os escritores, quando não reafirmam a mitologia em torno da figura de Juscelino, percebem certa decepção no povo em relação às autoridades e aos técnicos responsáveis pelo Orós.
CONCLUSÕES:
Os jornais e livros analisados e as falas dissecadas permitem concluir que, em certo tempo, houve um processo de ruptura entre o que de fato aconteceu e o que passou a ser divulgado como “verdade”. Os sertanejos tecem suas falas reafirmando a mitologia em torno do presidente Juscelino Kubitschek, “um grande homem que pensou no sertão”. Esse pressuposto – compartilhado por muitos escritores que publicaram livros anos depois da catástrofe – cria e reafirma o mito do “político grandioso”. Os jornalistas da época, ao contrário, por escreverem no “calor da hora”, conseguem apontar falhas e equívocos cometidos pelos técnicos e governantes, destacando-se entre eles a pressa de fazer uma obra extraordinária sem planejamento rigoroso e o desvio de verbas, o que em conjunto comprometeu o andamento da obra e provocou, por fim, a catástrofe do extravasamento do açude.
Palavras-chave: História do Ceará, Transbordamento do Açude Orós, Memória.