65ª Reunião Anual da SBPC |
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito |
A SUPERAÇÃO DOS DISCURSOS NATURALIZADORES DA VIOLÊNCIA HUMANA E DO CARTESIANISMO JURÍDICO: POR UM ARGUMENTO RESTAURATIVO DA JUSTIÇA PAUTADO NA CULTURA DE PAZ |
Marta Thaís Leite dos Santos - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Gabriela Guimarães Cavalcanti - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Fernando da Silva Cardoso - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) |
INTRODUÇÃO: |
O presente resumo debruça-se sobre a desconstrução dos discursos sobre naturalização da violência, a fim de embasar uma argumentação em defesa dos modelos de Restauração da Justiça em uma perspectiva dirigida à construção cultural da paz. Para tanto, reconhece a importância de uma libertação de uma tríade paradigmática do Direito: I. A lógica jurídica reducionista de herança cartesiana; II. A Cultura da vingança como pano de fundo; III. A institucionalização da violência. Pretende-se analisar os aspectos preponderantes para o implante silencioso e historicamente sedimentado da naturalidade da violência na filosofia do direito e no modus operandi jurídico, assim como o impasse entre a pretensa modernidade jurídica e a tradição filosófica alicerçada na constância cartesiana, que carrega a pretensão de domínio sobre as coisas. Nesse sentido, a função do poder-violência, na institucionalização do direito, é de dupla face: primeiro, utiliza a violência como meio de pacificação, e no momento em que institucionaliza a violência, transforma-a num poder instituinte do direito, sob o nome de poder. A análise conclui pela necessidade de abertura holística e não fragmentária para a nova visão multifocal das soluções dos conflitos na construção de uma cultura restaurativa, no rumo de uma paz possível na contingência histórica na medida em que socialmente construída. |
OBJETIVO DO TRABALHO: |
Identificar e criticar, por meio da sustentação da Cultura de Paz, a admissibilidade jurídica e social da violência, inclusive na sua formulação institucionalizada, bem como o distanciamento entre a ética e o operador jurídico positivista, posto que a prescrição normativa do Direito é concebida como objeto “purificado” de análise que prescinde outras avaliações tendentes à humanização jurídica. |
MÉTODOS: |
Quanto aos procedimentos utilizados neste estudo, realizou-se uma revisão bibliográfica acerca do tema, tomando por base os estudos sobre os discursos que solidificaram o implante da naturalidade da violência nas relações humanas e quais reformulações estão aptas a fundamentar o processo de desconstruí-los. A partir da preocupação decorrente de vivência em instituições obstruídas pela cultura da vingança institucionalizada, tanto na universidade quanto no cumprimento da prática jurídica, pode-se despertar para o questionamento sobre como a violência permeia a visão jurídica brasileira num implante tão naturalizado que dificilmente o expõe a qualquer crítica e debate. O questionamento radical sobre o comportamento humano normatizado impulsiona a realização de um estudo bibliográfico aprofundado e multifocal, bem como avaliação e autoavaliação do compromisso como graduados e pós-graduandos em Direito, discutindo-se questões pertinentes a novos paradigmas para a condução da função jurídica por essência, qual seja, a resolução de conflitos. Por fim, a metodologia deste estudo pautou-se na exigência de interdisciplinaridade dos assuntos na superação dos discursos da violência natural, apoiados à consciência da importância da temática na atualidade. |
RESULTADOS E DISCUSSÃO: |
Dentre os principais resultados presentes neste estudo, cumpre apontar que, a despeito das teses naturalistas que cultuam a violência como pulsão natural - e esvaziam de eficiência de qualquer mecanismo inibidor da mesma -, a violência é o resultado imediato da valoração simbólica da agressividade humana. Persiste a compreensão comum de que o homem se torna plenamente humano, de forma automática, desde que haja as salutares condições básicas para tanto. Ocorre que o “tornar-se” humano é um processo de autorrealização que exige investimento de tempo e energia em trilhas evolutivas. Por isso, negar a capacidade de dirigir o comportamento à paz ou à violência é relegar a discussão ao fatalismo descomprometido da condição biológica. Violência é, ao contrário, construção cultural: é a intencionalidade elabora hermeneuticamente a violência como meio estratégico para determinado fim. A dinâmica do estudo permite também apontar que este poder de dar sentido aos próprios atos é o que lhe confere potência para criar as bases comportamentais de uma cultura violenta ou de uma cultura da paz. Nos caminhos a serem percorridos por essa canalização de potência – seus avanços e retrocessos - é que se apresenta para o desafio possível e não fatalista de uma cultura da paz assim como a possibilidade contingente de uma crítica ética da violência. |
CONCLUSÕES: |
Concluímos pelo compromisso do jurista na superação de uma crise social típica de um modelo sacrificial retributivo, que polariza, de um lado, os bodes expiatórios, cuja violência é rechaçada, e os hegemônicos, cuja violência contra os primeiros é juridicamente legitimada. O Estado, por meio de seu jus puniendi monopolizado, toma para si a vingança imediata e ilimitada do indivíduo e processa-a institucionalmente para produzir uma vingança ritualizada. É dizer, não elimina do processo o aspecto adversarial – se quer se dispõe seriamente desfazê-lo -, conservando, sem maiores reflexões holísticas, as regras retributivas de “pacificação” dos conflitos. Nesse diapasão, o discurso da naturalidade da violência humana somente fomenta a estratégia manipuladora que afirma estar o indivíduo impotente diante da barbárie. De outra mão, a Cultura de Paz promulga um modo de agir não violento, correspondendo ao substrato teórico idôneo a alicerçar e atribuir sentido às práticas de restauração de Justiça. Assim, a emancipação humana é o oposto da produção de desumanidades, da alienação; reconhece o humano como o próprio negar-se ao estranhamento. |
Palavras-chave: Restauração, Cultura de Paz, Não violência. |