65ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 6. Ciência Política - 6. Ciência Política
ARQUEOLOGIA CRÍTICA DOS DIREITOS AUTORAIS: UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO POLÍTICA DO CONCEITO DE AUTORIA E SUA REPERCUSSÃO NO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
Gabriela Rondon Rossi Louzada - Faculdade de Direito - UnB
Alexandre Araújo Costa - Prof. Dr./Orientador - Instituto de Ciência Política - UnB
INTRODUÇÃO:
Há uma crise no sistema de proteção jurídica dos direitos autorais, caracterizada pelo visível descompasso entre o sistema legal e a atual configuração das relações que ele objetiva regular. Mudanças no panorama da produção cultural e intelectual, decorrentes de transformações tecnológicas que revolucionaram o acesso e a circulação de criações, tornaram evidente que mais uma vez se estabeleceu a previsível “revolta dos fatos contra o código”.
A autoria como posse absoluta da produção cultural é uma construção moderna, que serve a interesses específicos de funcionamento de mercado. Hoje, embalados nos ventos do digital e da democratização e descentralização das possibilidades produtivas, os métodos de proteção de inventos mostram-se caducos, o que aponta para a necessidade de remodelá-los para atender às finalidades de estimular a criação artística e a diversidade cultural, e de garantir os direitos constitucionais da liberdade de expressão e do acesso à cultura e ao conhecimento.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Espera-se, com esta pesquisa, fomentar a discussão que circunda o tema da regulação de direitos autorais no Brasil, promovendo-se uma necessária reflexão sobre qual seria a real necessidade de proteção dos direitos patrimoniais de autor, tendo em vista também as implicações políticas da definição de autoria.
MÉTODOS:
A execução do plano de trabalho apresentado deu-se basicamente em duas frentes. Primeiramente, empreendeu-se um resgate histórico e político da construção do conceito de autoria, aliado à análise sobre a instrumentalização do conceito de propriedade intelectual na sociedade ocidental e moderna. A partir disso, foi possível averiguar como a definição política desses termos determina a regulação jurídica dos direitos autorais e define a política econômica cultural de modo a estabelecer e proteger monopólios.
A segunda etapa da pesquisa foca em como esse debate se aplica à problemática do acesso à cultura e liberdade de expressão no Brasil, a partir da análise das inconsistências da lei nº 9.610/98, Lei de Direitos Autorais. Parte-se do pressuposto de que os limites ao exercício do direito à propriedade intelectual devem ser tão importantes quanto as próprias prerrogativas que ele pretende proteger, para que se proteja também o direito de acesso ao conhecimento e liberdade de expressão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A partir desta pesquisa, foi possível evidenciar que o conceito de direito autoral, e as proteções jurídicas projetadas sobre ele, partem de uma suposição equivocada sobre o processo criativo, visto como fenômeno individualista e alheio ao mundo e a outras obras já produzidas. O mais alto grau de criatividade exige a referência ao que já foi produzido antes por outras pessoas ou coletividades, seja para marcar a diferença em relação a estes, seja para usá-las de substrato para novas contribuições. Toda criação é reutilização, remodelação do que se viu antes, de modo que o estabelecimento da autoria como posse absoluta daquilo que é produzido não se sustenta.
Assim, a proteção aos direitos autorais tal como se dá hoje não se configura como uma condição de possibilidade da produção cultural, e na realidade opera uma restrição injustificável às formas de criação e fruição de cultura, ferindo também os direitos constitucionais de acesso à informação, à educação e da liberdade de expressão.
CONCLUSÕES:
Diante dos resultados alcançados, discute-se a possibilidade de revisão da lei nº 9.610/98, com vistas à instituição de um novo sistema de licença pública que viabilize o fim do perpétuo monopólio cultural de alguns poucos indivíduos e/ou entidades e que acompanhe os fenômenos de produção colaborativa e compartilhamento de informação, conhecimento e cultura.
Como apontam Yochai Benkler, Lawrence Lessig, James Boyle, entre outros estudiosos do tema, a descentralização e democratização da produção de cultura promovidas pelos avanços tecnológicos estão transformando consumidores passivos em produtores ativos, evidenciando assim a riqueza da cultura construída em rede, a partir da acessibilidade a obras previamente produzidas. Isso leva a um número extraordinário de pessoas comuns integrando o processo criativo, fortalecendo a um só tempo os direitos de acesso à cultura e liberdade de expressão e uma nova organização da política e economia cultural, sintonizada com o contemporâneo.
Palavras-chave: Direitos autorais, Propriedade Intelectual, Acesso à Cultura.