65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito
Práticas judiciais e representações sociais da violência de gênero
Renata Cristina de Faria Gonçalves Costa - Faculdade de Direito - UnB
Lia Zanotta Machado - Profa. Dra./Orientadora - Departamento de Antropologia - UnB
INTRODUÇÃO:
Este trabalho pretende pensar as relações entre direito e sociedade a partir do papel que determinadas práticas judiciais exercem sobre a realidade cultural e simbólica em relação à violência contra a mulher. Reconhecendo a interpretação como uma forma de apropriação da força simbólica dos textos jurídicos, esta pesquisa se concentra em observar a atuação judicial no que se refere à aplicação da Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha. Busca constatar em que medida essas práticas contribuem para a erradicação da violência de gênero ou se reforçam a carga histórica e social, uma vez legitimada tanto pela legislação quanto por interpretações de operadores do direito. Nesse sentido, a pesquisa enfoca três pontos: i) a não condicionalidade da representação em lesão corporal, ii) a possibilidade de retirada da denúncia em outros casos, como ameaça e injúria, e o lugar da suspensão do arquivamento, iii) a articulação com a equipe multidisciplinar (medidas protetivas e encaminhamento psicossocial).
OBJETIVO DO TRABALHO:
A pesquisa tem como objetivo perceber as representações sociais da violência de gênero na prática judiciária no Distrito Federal, bem como mapear e observar as medidas que são tomadas diante de situações concretas nos casos de aplicação da Lei Maria da Penha.
MÉTODOS:
Durante a pesquisa foram observadas audiências judiciais e atendimentos multidisciplinares de 27 processos no Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher no Núcleo Bandeirante, Distrito Federal. As anotações fruto dessas observações foram registradas em caderno de campo, onde também foram documentados dados retirados dos autos processuais referentes a esses mesmos casos. Foram realizadas ainda entrevistas, informais e semi-abertas com juízes/as, promotores/as, defensores/as públicas, advogados/as, integrantes da equipe multidisciplinar, dentre eles/as, psicólogos/as, bacharéis/las em Direito, assistentes sociais e outros/as agentes da justiça em um Juizado Especializado da Violência contra as Mulheres.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Os atendimentos da equipe multidisciplinar, sessões de escuta com conteúdos de mediação e deslegitimação da violência, combinam medidas restritivas e punitivas com encaminhamentos psicossociais, o que permite uma compreensão ampla do conflito sem esquecer a possibilidade da punição. Aqui,as partes são ouvidas com maior profundidade, mas as vozes da equipe são consideradas menos autorizadas que as dos promotores, juízes e advogados. Articular esses espaços é flexibilizar o Judiciário à dinâmica das relações sociais,lidando com as ambiguidades de uma situação de violência doméstica.Quanto à incondicionalidade da lesão, incorporada neste Juizado,destaca-se o Estado assumindo a violência não como infração de menor potencial ofensivo, mas sim crime e prática ilegítima.O uso da suspensão do arquivamento, ao alargar o tempo até a real retirada da denúncia,permite visualizar possíveis vícios de vontade.O resultado é a desnaturalização da violência aos olhos dos envolvidos,sem garantir seu fim.
CONCLUSÕES:
Ao consolidar uma visão no campo jurídico de que é ilegítimo agredir mulheres, a LMP produz efeitos não só neste campo, mas também no social.Ainda que permeadas pelas constantes tensões entre valores arcaicos (como a honra, o poder pátrio, a harmonia familiar), muitos deles utilizados na intenção de solução de conflitos, e modernos (defesa de direitos individuais, proteção da integridade das mulheres, autonomia dos sujeitos nas relações inter-pessoais), as práticas contribuem para a redução da violência doméstica.Contudo, a LMP não é o único fator que altera esse quadro.Há ao mesmo tempo expectativas familiares, sentimentais, histórias, modos de ver o outro e valores não necessariamente de acordo com a lei. Assim, reconhecendo que o direito não é a única forma de conformação de consenso, as práticas observadas apenas apontam uma tendência de transformação cultural que varia conforme cada agente absorve a decisão judicial.Os processos jurídicos se realizam imbricados na dinâmica social.
Palavras-chave: Direito, Violência de gênero, Poder judiciário.