65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 6. Literatura
LITERATURA E ORALIDADE EM ÁFRICA: SABERES EM CONEXÃO
Wellington Marçal de Carvalho - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas
Maria Nazareth Soares Fonseca - Profa. Dra./Orientadora - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
INTRODUÇÃO:
Como se efetivam os agenciamentos entre as tradições orais e a literatura produzida por escritores oriundos de espaços africanos? Intenta-se alinhavar reflexões feitas quer por estudiosos do texto literário, quer pelos próprios escritores, de alguns países da África de língua oficial portuguesa, sobre elementos para melhor entender esse fenômeno. Essa discussão permite considerar que vários ‘dogmas’ insculpidos pela visão eurocentrista do mundo podem ser desmontados, como por exemplo, o que postula serem as literaturas produzidas em África, natural e unicamente, enquadradas no gênero das estórias curtas, os contos. Se focalizadas as nações de língua portuguesa do continente, não serão poucos os exemplos de obras, do gênero romance que, muito embora não tenham sido gestadas com o fim específico de registrar fatos históricos da realidade, todavia foram moldados (os fatos) e burilados ao sabor das dicções de cada escritor. Mas é incontestável que uma leitura mais acurada poderá recolher, nesses romances, indícios suficientes para um resgate da memória coletiva dos acontecimentos históricos dessas nações. Não seria em hipótese alguma descabido afirmar que alguns desses romances funcionaram como verdadeiras obras de fundação da literatura de parcela do continente da qual emanam.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Elucidar como se articulam, na literatura produzida em alguns países africanos, elementos próprios das tradições orais que nutriram o processo de criação literária de escritores daquele continente. Pretende-se, também, demonstrar a importância elementar do imbricamento da oralidade na literatura para materializar a memória das ex-colônias portuguesas, notadamente, Angola e Moçambique.
MÉTODOS:
O conceito de oralidade deve ser pensado em uma dimensão mais ampla, abrangendo o sentido de Oratura e Tradições orais ou ainda de Literatura Oral. Sob esta perspectiva, realizou-se incursão em parte dos estudos culturais e literários que se debruçaram sobre o lugar da tradição oral nas culturas africanas, dos quais citam-se os trabalhos de Hampaté Bâ, A. A. Mazrui, Ana Mafalda Leite e J. Vansina. Maria Nazareth Soares Fonseca, ao retomar Stuart Hall, lembra que não há traços fixos nem uma essência em etnia ou nação alguma, a não ser como uma representação imaginária e ideologicamente sustentada. Mazrui compartimenta em sete grandes temas que denotam a autenticidade da literatura produzida em África: passado X presente de África; tradição X modernidade; oposição mundo autóctone X mundo estrangeiro; conflito indivíduo X sociedade; dilema socialismo X capitalismo; dilema desenvolvimento X autossuficiência; e relação entre africanidade X humanidade. A verificação dos enclaves da cultura oral foi realizada através do mergulho em romances de Luandino Vieira, angolano e Mia Couto, de Moçambique.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Nas obras literárias analisadas, de Luandino Vieira e Mia Couto, percebe-se a constituição e afirmação de espaço-temporalidades gestadas a partir da conexão de saberes das tradições orais e da literatura. Basta que se observe, à guisa de ilustração, algum dos romances de Luandino ou Mia Couto para que se conclua que fôlego não faltou a esses escritores e, muito menos, engenho, no sentido de se valer da oralidade para compor e, nesse viés, fundar uma literatura que se construiu associada, visceralmente, às tradições orais de seu torrão natal. O romance de Luandino, ‘Nosso musseque’, prismatiza rememorações de uma infância vivida no musseque por meio de uma linguagem mais próxima da voz e da oralidade. Em ‘João Vêncio: os seus amores’ ilustra-se o trabalho operado com o texto em que se apresenta argutamente a prática da contação de estória através do narrador que interpela seu leitor a todo instante, traço bem particular da cultura oral. Em Mia Couto, por seu turno, citam-se os romances ‘A varanda do frangipani’ e ‘Antes de nascer o mundo’, dos quais se ressalta as relações, quase sempre tensas, entre a oralidade e a escrita, todavia exitosas enquanto produções que materializam o imbricamento, operado pelo autor, da literatura e as tradições orais.
CONCLUSÕES:
A tradição oral é a grande escala da vida e para o escritor, historiador, etnólogo malinês Hampaté Bâ é dela que se recupera e relaciona todos os aspectos. Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em categorias bem definidas. Nos espaços africanos de língua portuguesa, mesmo significados por projetos literários distintos, é possível ouvir, em muitos textos escritos, o burburinho característico da oralidade. A incursão em visões teóricas que se dedicaram a problematizar e tentar compreender as múltiplas faces em que opera a oralidade, notadamente, na cultura dos povos africanos, permitiu melhor visualização do cenário abrangido por esta categoria conceitual. Ademais, a desconstrução de determinados ‘dogmas’, ou, idiossincrasias que grassavam sobre a literatura africana pode ser viabilizada: i) verificou-se que não somente das narrativas curtas é formado o acervo literário daquele continente; como também o fato de que, ii) a presença, expressiva, de indícios da(s) oralidade(s) no texto literário é muito mais em função de condições históricas e materiais do que de uma suposta anima africana.
Palavras-chave: Literaturas de língua portuguesa, Tradições orais, Impureza e literatura escrita.