65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 6. Literatura
Espaço urbano e intertextualidade na poesia de Luis Garcia Montero
Eduarda Rocha Góis da Silva - Graduanda em Letras - Fale/Ufal
Susana Souto Silva - Profa. Dra./Orientadora - Fale/Ufal
INTRODUÇÃO:
Luis García Montero, um dos poetas mais celebrados da literatura contemporânea espanhola, nasceu em Granada, na Espanha, em 1958. Além de poeta, é crítico literário e professor de literatura na Universidade de Granada. Publicou seu primeiro livro Y ahora ya eres dueño del puente del Brooklyn, em 1980. Tem onze livros de poemas publicados até o momento e vários de ensaio. Apesar de ser um poeta consagrado – vários prêmios literários, dentre eles, um dos mais importantes da Espanha, o “Premio Nacional de Literatura”, pela obra Habitaciones separadas, em 1994 –, não há registro de traduções de seus livros para a língua portuguesa, até este momento. A sua poesia caracteriza-se pelo uso de uma linguagem simples e acessível; pelo caráter narrativo, muitas vezes; pelo uso de referências à música popular; pela presença da memória como tema e como procedimento de retomada de outros poetas, em processo citacional/intertextual; pela presença do espaço urbano (a cidade se configura não apenas como um pano de fundo, ela determina as relações entre as personagens, não é só um tema a mais da obra). Neste trabalho, apresentamos a análise de um poema da obra Diario Cómplice, de 1987, destacando as relações entre memória e o espaço urbano.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Este trabalho tem como objetivo refletir criticamente sobre as complexas relações que se estabelecem entre memória e espaço urbano – desdobradas em outras, como memória e escrita, memória e intertextualidade –, na poesia espanhola contemporânea, a partir da análise de um poema de Luis García Montero.
MÉTODOS:
A poesia é um contínuo processo de investigação de suas próprias potencialidades, ou seja, a poesia é espaço de reflexão sobre as diversas formas de atribuir sentido ao que vivemos, em articulação com suas complexas condições de produção, circulação e recepção. É particularmente importante, como fundamentação, o dialogismo bakhtiniano (1992), na medida em que este define o texto como entrecruzamento de diversos textos, trama de ideias, e na releitura dessa noção elaborada por Julia Kristeva, para quem “A linguagem poética aparece como um diálogo de textos: toda sequência se faz em relação a uma outra proveniente de um outro corpus, de maneira que toda seqüência está duplamente orientada: para o ato de reminiscência (evocação de uma outra escrita) e para o ato de intimação (a transformação dessa escritura).” (1978, p. 120). Trata-se de pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico. Portanto, a metodologia se baseou, principalmente, na leitura e análise de poemas. Foram lidos textos teóricos que investigam a poesia, moderna e contemporânea, em especial, Octavio Paz (1998) e Linda Hutcheon (1991), além da obra poética de Luis García Montero.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Diario Cómplice, livro publicado pelo poeta em 1987 se divide em duas partes, Libro I e Libro II, separadas por uma espécie de interlúdio, com diários e cartas que falam do ato de escrever. No poema V, do libro I, o sujeito poético recebe uma ligação telefônica da amada e toma um táxi para vê-la. O contexto desse encontro é composto de elementos das grandes cidades: outdoors, letreiros luminosos, encenando o distanciamento, a pressa da vida urbana. Ao passo que compõe imagens da metrópole, Montero articula uma rede dialógica/intertextual, com autores da poesia espanhola e canção popular. Os primeiros versos: “Tú me llamas, amor, yo cojo un taxi,/ cruzo la desmedida realidad/ de febrero por verte,/” têm uma relação intertextual (KRISTEVA,1974) com o famoso bolero cantado pelo grupo Los Panchos “Si tú me dices ven, lo dejo todo”. A imagem de cidade retoma o poema “Nocturno de los avisos”, de Pedro Salinas, recriando uma cidade muito semelhante a que está presente em seu poema, repleta de anúncios e letreiros luminosos. Na segunda estrofe, há relação intertextual com o poema: “Poema, Contra Jaime Gil de Biedma”. Aqui, Montero recupera a imagem do “sótano negro”, do famoso poema de Biedma, nos versos: “guardarán la nostalgia artificial/ del sótano sin luz donde me esperas,”.
CONCLUSÕES:
Neste poema, vemos, portanto, uma articulação de uma vasta memória de leituras, em que o poeta resgata outros poemas, de outros autores e também dialoga com versos de canções populares, já que “cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados” (BAKHTIN, 1992, p. 291). O pós-modernismo “é sempre uma reelaboração crítica, nunca um retorno ‘nostálgico’” (HUTCHEON, 1991, p. 21), os textos pós-modernos, nessa concepção, portanto, operam uma releitura dos diversos momentos que os precedem, mas sempre a partir da intertextualidade, tecendo um novo texto a partir das leituras anteriores. Aqui, a memória se articula ao espaço urbano, pois, ele retoma a imagem de cidade de outro poema de Pedro Salinas, “la ciudad de los anuncios luminosos, los tranvías y los autos, que cada noche se transforma en un jardín eléctrico”(PAZ, 1998. p.507). Neste poema, o espaço urbano aparece como determinante para a relação entre o sujeito poético e sua amada. A cidade não é só o palco dos acontecimentos, ela determina o encontro entre autores, leitores, personagens, escritas, criando novas relações em contínua transformação.
Palavras-chave: Poesia Contemporânea, Cidade, Memória.