65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
Camuflagens no espaço: descrições metafóricas no conto Feliz aniversário de Clarice Lispector.
Fabiana Gomes de Assis - Mestranda em Literatura, Cultura e Sociedade - UFAL
INTRODUÇÃO:
Clarice Lispector. Desde que surgiu no meio literário brasileiro, esse nome que mistura doçura e firmeza em sua sonoridade é reconhecido como um dos grandes que integram, e com louvor, o cânone literário brasileiro. Numa época em que ainda se bebia do regionalismo de 30, Lispector explode com os padrões romanescos recorrentes e, assim como prenunciava Oswald de Andrade com seu romance fragmentário da década de 20 ou Guimarães Rosa com sua narrativa polissêmica, instala-se com sua ficção insólita, repleta de silêncios e por vezes, desfechos reticentes. Além de inquestionavelmente célebre em matéria de romance, é indiscutível também sua boa articulação como contista, estando aí para não se deixar mentir seus dois volumes de contos Laços de família (1960) e Felicidade Clandestina (1977). Nessas duas coletâneas, alguns aspectos da narrativa de Lispector romancista são bem perceptíveis: os dramas familiares que surgem das relações humanas automatizadas; personagens às voltas com seus pensamentos e com o mundo que as cercam; o silêncio como deflagrador de uma incompletude da linguagem. Partindo desses aspectos, observarei, no conto Feliz aniversário, a construção do espaço narrativo e sua relação com a construção das personagens.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Objetiva-se com esta análise uma reflexão sobre a composição do espaço narrativo e como, a partir dele, as relações entre as personagens são estabelecidas e deflagradas por estruturas metafóricas.
MÉTODOS:
Em qualquer narrativa, seja romance ou conto, é de extrema importância a construção e articulação de categorias narrativas como personagens, narrador, tempo e espaço. Sendo assim, não é de se surpreender que muitas vezes uma ou outra possa ser mais enfatizada. Nessa pesquisa, o objetivo recai sobre o espaço narrativo na obra de Clarice Lispector, com foco é um de seus contos. A escolha se justifica porque “a demarcação do espaço, como em quase todas as obras da autora, é fixada pela oposição dentro/fora, correspondendo cada uma dessas dimensões a um movimento duplo, geográfico e existencial” (HELENA, 1985, p. 93). O espaço narrativo aqui é, portanto, um elemento que se relaciona com as personagens e nos diz algo sobre elas, desvencilhando-se assim da posição passiva de simples cenário. Ele também as influencia e em certos casos “provoca uma ação – desatando, portanto, forças ignoradas ou meio ignoradas –, com o imprevisto ou a surpresa” (LINS, 1976, p. 101). Dessa forma, a análise que se segue visa desvendar o campo metafórico construído pelo espaço narrativo e como ele se articula com as ações das personagens.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
No conto Feliz aniversário, publicado na coletânea Laços de família (1960), são narrados os acontecimentos de uma festa de aniversário. O adjetivo “feliz” introduz um campo de significação que direciona o leitor para uma zona de conforto, esperando do conto um desenrolar calmo, quando na verdade, tudo parece caminhar para uma infelicidade conflituosa. A trama está ambientada em um único espaço físico: a sala. A narrativa inicia-se com a entrada da nora de Olaria e seus três filhos. Sua presença tinha, porém, apenas o objetivo de manter os laços familiares, de modo que, a situação esboça um contexto familiar de aparências. Segue-se então a nora de Ipanema, que acompanhada pelos dois netos e a babá, prenuncia os acontecimentos subsequentes. Ambas as noras caracterizam ainda a oposição dos dois bairros cariocas que se localizam em extremos do Rio de Janeiro, de maneira que sentadas em lados também opostos da sala esboçam os primeiros indícios de fadiga familiar. Diante dessa cena é possível notar a relação que as personagens firmam com o espaço, pois ao mesmo tempo em que colaboram para a concretização deste, elas mesmas se constroem, tanto fisicamente quanto socialmente (LINS, 1976, p.70).
CONCLUSÕES:
Como se pôde perceber brevemente, todos os espaços descritos no conto mantém uma relação estreita com as personagens, atuando diretamente no sentido de deflagrar estados de tensão. Na primeira cena, observou-se que a disposição das personagens no espaço, cada uma em um lado da sala, configurou uma espécie de campo de batalhas, minado por todos os lados, lugar de constante tensão. O mesmo ocorre com outras descrições de espaços, como por exemplo, a mesa; Este é o lugar ocupado pela aniversariante e sua descrição se resume a apenas dois traços: era longa e vazia, assim como a aniversariante. Personagem e espaço mantêm entre si, dessa forma, uma equivalência aspectual, no que diz respeito a seus traços mais marcantes. As duas cenas descritas permitem ao leitor uma visão por cima, marcam uma explosão iminente, metaforizada nos espaços. A posição das cadeiras organizadas em fileiras ao longo das paredes, o centro vazio e as noras de Olaria e Ipanema sentadas em lados opostos da sala, como dito anteriormente, adicionados agora à imagem da aniversariante à mesa, remete a um cenário de guerrilha. Os espaços descritos em Feliz aniversário possibilitam assim o jogo entre o dito e o não dito. Direcionam o leitor para outro plano de percepção, alicerçado todo em metáforas.
Palavras-chave: Espaço narrativo, Personagem, Literatura brasileira.