65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 6. Literatura
Ana Cristina Cesar: Quando o corpo é palavra
Isadora Bellavinha Maciel - Centro de Letras e Artes - UNIRIO
Manoel Ricardo de Lima - Prof. Dr./ Orientador - Centro de Letras e Artes UNIRIO
INTRODUÇÃO:
*”Não se pode resumir um poema como se resume... um “universo”. Resumir uma tese é reter-lhe o essencial. Resumir (ou substituir por um esquema) uma obra de arte é perder-lhe o essencial. Vê-se o quanto essa circunstância (se se compreender o seu alcance) torna ilusória a análise do esteta.” (VALÉRY, 1997,p.1244.)
A partir da leitura crítica da obra da poeta Ana Cristina Cesar, este trabalho toma como pauta a pesquisa realizada dentro do projeto “Poesia e periódico: arquivo,releituras críticas”, do prof. Dr. Manoel Ricardo de Lima, e assim procuro ler criticamente algumas questões da obra da poeta tomando como ponto de partida a ideia de um texto que é também um corpo, uma extensão da matéria do artista, assim como é o próprio artista extensão de seu objeto poético: a palavra e seus modos de uso. Inspirando-se primeiramente pelo pensamento de Paul Valéry, que toma o texto poético como uma ação, um fazer, o que nos conduz a “tomar as palavras e as ideias por suas maleabilidades materiais” (VALÉRY, 1973,pp. 181-182), procura-se pensar a construção poética do texto e do corpo como uma presença e um comportamento indissociáveis na poesia de Ana Cristina Cesar. Uma poesia que se constrói como uma linguagem da experiência do corpo em cena – uma vida, uma ação. Corpo ao mesmo tempo político, social e estético, quando o poema atua através de uma corporeidade da linguagem e da vida num fluxo ininterrupto e inseparável; arte tal qual vida.
OBJETIVO DO TRABALHO:
-ler criticamente as relações entre palavra e corpo na poesia de Ana Cristina Cesar. -Apresentar parte do processo de composição de esboço de peça teatral que visa incorporar técnicas de apropriação, recriação e descentralização do texto como um corpo, como era a prática da poeta: criação em diálogo que exige diversos acessos de sentido, a linguagem como um corpo tenso.
MÉTODOS:
Sob a luz da matéria poética e crítica de Ana Cristina Cesar, esse estudo discute a importância da análise de um texto como um corpo material e em ação; como refazer um olhar estetizado sobre a vida. Confluindo leituras e uma tentativa de tocar a consciência de corpo de outras artes - como o teatro e a dança - e do exercício constante de uma escrita que é ao mesmo tempo crítica, poética e política, a pesquisa toma como base uma construção teórica ensaística sobre os condicionamentos do corpo e da palavra ao mesmo tempo em que procura entender o movimento poético experiencial da discussão teórica pela via do teatro. Essa segunda parte do processo ergue-se como a composição em coletivo de uma peça teatral que emerge a partir de questões levantadas pela poesia de Ana Cristina Cesar e através de seus textos e diálogos crítico-poéticos, assim como pela apropriação de seus métodos de criação e pela construção de uma dicção poética própria que transite entre diversos usos do corpo e do texto também como um corpo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Com a leitura de sua obra poética e teórica foi possível levantar as principais questões de sua crítica, do campo literário ao campo político, passando por um posicionamento filosófico que trata dos condicionamentos do corpo, da opressão do espaço político-social, discutindo o próprio valor de verdade cambaleante entre o dado e o artifício.
O material lido e relatado foi posto em discussão no grupo e cruzado com leituras dos trabalhos de Paulo Leminski, Hélio Oiticica, Torquato Neto, Lygia Clark e Cacaso, criando um pequeno panorama de algo do cenário artístico intelectual das décadas de 1960, 70 e 80, indicando um movimento coletivo de apropriação do corpo e da experiência de vida num confronto a uma ideia de estetização, e também como um lugar do fazer poético, crítico e político.
A partir disso, elaborei também peça teatral que une artistas das mais diversas áreas – letras, artes cênicas, música, dança e cinema – através de um processo coletivo de criação em que os próprios integrantes são os articuladores dos textos propostos através da releitura e reapropriação dos mesmos. A peça – por exigência a arte da presença – vem como uma possibilidade de tocar diretamente no corpo algumas questões da linguagem e levou o grupo à reflexão de paradigmas, convenções e determinações experienciadas por um corpo social e construído.
CONCLUSÕES:
A pesquisa evidenciou uma exigência insubstituível do corpo na criação poética. Através da leitura dos textos de Ana Cristina Cesar vê-se um labirinto desenhado entre a criação literária e a construção desse autor-personagem denominado Ana C.. O que a poeta nos apresenta é uma multiplicidade de intimidades dispersas em diversos personagens. A poeta parece optar por uma estetização da própria vida como experiência poética – política, artística e filosófica. A conduta que a poeta incorpora na vida social caminha como extensão de sua poesia. Nesse sentido, o estudo lançou um olhar mais atento sobre o suicídio cometido pela poeta como um corte que abala, ou quer abalar as estruturas pragmáticas ofensivas que se instituem no Brasil recém saído de uma ditadura militar. À imagem de sua poesia, apoiada numa estética escorregadia e pendular, pode-se pensar o suicídio como um gesto de coragem. Ana C. toma posse de seu próprio corpo para torná-lo matéria vertical em sua obra poética. Domina o corpo na cena social de um corpo corrompido pelo Estado e descontrola os corpos físico e do texto; questiona a condenação cristã do suicídio e exige o olhar sobre a matéria condenada. No entanto, assim como o conjunto de seus textos e atos trazem um lugar inconcluso para sua vida e poesia, esse estudo não busca afirmar conclusões fielmente contornadas sobre Ana C. e sua poética, mas principalmente abrir pauta para uma constante indagação crítica e infinitas releituras.
Palavras-chave: corpo, linguagem, poesia.