65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 6. Direito do Estado
A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NOS CONFLITOS PELA POSSE DA TERRA EM MONTE SANTO - BAHIA
Maria José Andrade de Souza - Depto. de Ciências Sociais Aplicadas, UEFS, Feira de Santana/BA
Cloves dos Santos Araújo - Prof. Orientador,Depto. de Ciências Sociais Aplicadas, UEFS, Feira de Santana/BA
INTRODUÇÃO:
A dimensão da disputa pela posse da terra, no Município de Monte Santo-BA, não escapa aos condicionantes históricos e sociais conhecidos - apropriação ilegal de terras públicas, concentração fundiária e violência no campo. Diante dessa realidade, os trabalhadores rurais disputam junto ao Estado mecanismos de intervenção nos conflitos sociais do campo que perpassam também pela atuação em processos administrativos e judiciais. Isto posto, um estudo sobre a atuação do judiciário nesses conflitos de terra importa quando se constata que, nos últimos anos, as ações judiciais movidas por proprietários de terra intensificaram o clima de violência no campo nesse município, no momento em que a posse da terra de trabalhadores rurais é ameaçada. Partindo da concepção de que o Direito importa (THOMPSON, 1997, p. 359) e se apresenta como uma arena de disputas, essa pesquisa se interessou pela atuação do Poder Judiciário nos conflitos de terras do referido Município, na perspectiva de reconhecer a maneira como os juízes decidem diante da tensão entre direitos divergentes sobre a apropriação e uso da terra. Nessa pesquisa, importou o conceito de campo jurídico de Bourdieu (2010), bem como outros referenciais teóricos que relacionam o Estado com o conjunto do campo das lutas (POULANTZAS, 2000).
OBJETIVO DO TRABALHO:
Compreender de que maneira o Judiciário atua nos conflitos de terra envolvendo trabalhadores rurais do Município de Monte Santo a partir da análise dos argumentos das decisões judiciais; Identificar os argumentos prevalecentes nas decisões de modo que subsidie uma leitura sobre as suas características, considerando a necessidade de decisões coerentes com a complexidade dos conflitos de terra;
MÉTODOS:
Essa pesquisa se desenvolveu a partir da análise de três ações possessórias referentes à disputa pela posse da terra em áreas de conflito no município de Monte Santo (BA). Para tanto, o objeto de estudo foi o conteúdo das decisões judiciais e alguns documentos que informaram sobre a atuação do Judiciário nesses conflitos. As informações extraídas foram analisadas a partir do referencial metodológico da “Teoria Fundamentada nos Dados” (Glaser e Strauss, 2008), uma importante ferramenta no âmbito das Ciências Sociais que colabora a “uma ligação mais estreita entre a teoria e a realidade estudada, sem pôr de parte o papel ativo do investigador nesse processo” (LAPERRIÈRE, 2008, p. 6). Trata-se de uma opção metodológica que permite ao pesquisador elaborar categorias para compreensão do fenômeno social observado a partir dos dados e das informações que o objeto de estudo informa, sem dispensar um estudo da literatura sociológica indicada. Ao adotar como ponto de partida dessa investigação as informações extraídas dos processos judiciais, pretendeu-se identificar as principais referências nos argumentos dos juízes, bem como a maneira como legitimam ou negam o direito à posse da terra aos posseiros a partir de uma pesquisa com abordagem qualitativa e prevalentemente indutiva.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A análise das decisões judiciais possibilitou o reconhecimento de argumentos contraditórios em relação à determinação de quem são os legítimos proprietários ou posseiros das áreas em litígio. Essas decisões serviram para reconhecer os direitos dos pretensos proprietários de terra no momento que não consideraram a posse como condição essencial para o cumprimento da função social da propriedade, de modo que reproduziram uma noção absoluta da propriedade, contrária aos princípios constitucionais. Ademais, o não reconhecimento do exercício da posse da terra pelos trabalhadores rurais evidenciou que “as atribuições da instituição judiciária têm mais a ver com o poder do que com o Judiciário no sentido de uma instância técnica” (CHARVET; 1977, p. 244) de vez que o juiz não é um simples executante das leis (BOURDIEU, 2010, p. 223). Assim, entre a lei, suas lacunas e a decisão judicial existe uma imensa liberdade interpretativa que comporta decisões diferentes e até contraditórias, marcadas por lógicas e conjunturas peculiares. Ao reproduzir essas contradições os magistrados, de certo modo, permitiram as disputas de outras concepções no processo. Afinal as leis podem mascarar injustiças inconfessas (THOMPSON, 1997, p. 358), mas para tanto deve também impor restrições aos grupos de poder.
CONCLUSÕES:
O contexto e a natureza das disputas travadas no Judiciário envolvendo os trabalhadores rurais em áreas de conflito no Município de Monte Santo (BA) se assemelha a muitos outros conflitos pela posse da terra no Brasil. Considerando os dados gerais sobre essa realidade, não é difícil constatar que, por um lado, o Judiciário segue julgando os conflitos fundiários essencialmente a partir de uma noção absoluta de propriedade e, por outro lado, não está imparcial frente aos conflitos de interesse e às expressões das lutas sociais no Estado (POULANTZAS, 1977). Com uma leitura, marcadamente, individualista e patrimonialista, o magistrados decidiram nos processos analisados a partir de uma fundamentação legal mais afeita ao Código Civil e ignoraram o cumprimento do princípio da função social da propriedade ao determinarem a reintegração de posse de pretensos proprietários que, de fato, não eram posseiros das áreas em litígio. Isso sugere a necessidade de prosseguir a discussão – acadêmica e política – sobre a atuação do Judiciário no sentido de tensionar para produção de decisões judiciais que atendam a razões de justiça social e sejam mais coerentes com a complexidade dos conflitos pela posse da terra, vertentes subestimadas no paradigma liberal de enfrentamento a tais problemáticas.
Palavras-chave: Decisões Judiciais, Estado de Direito, Luta pela Terra.