65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 2. Linguística Histórica
O COMPORTAMENTO DE CLÍTICOS PRONOMINAIS EM CORPORA DIACRÔNICOS DO PORTUGUÊS EUROPEU E PORTUGUÊS BRASILEIRO
João Henrique Silva Pinto - Mestrando em Linguística / Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Eloísa Maiane Barbosa Lopes - Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – UESB
Bruno Pacheco de Souza - Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – UESB
Jorge Viana Santos - Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – UESB
Cristiane Namiuti - Departamento de Estudos linguísticos e Literários - UESB
INTRODUÇÃO:
Ao analisar textos grafados por mãos-inábeis (produtores de texto sem muita familiaridade com a escrita), Marquilhas (1998) afirma que os constantes e diferentes "erros de grafia" às convenções representam "vestígios de uma conceptualização linguística, facto que permite fundamentar hipóteses sobre a natureza das estruturas da língua". Acrescenta-se a isso que por haver a falta do convencionalismo entre ortografia e escrita à época (textos escritos nos século XVI, XVII e XVIII), pode-se datar fenômenos que indicam mudança linguística. Na história da Língua Portuguesa, um dos assuntos sob o foco dos estudos de mudança é a colocação variável de clíticos pronominais. Assim, a sintaxe dos clíticos é um lócus privilegiado para investigar mudanças gramaticais do Português (GALVES; PAIXÃO DE SOUSA; BRITO, 2005). Adicionalmente, a colocação de clíticos é um lugar que possibilita a investigação de operações entre diferentes módulos da gramática, tais como sintático, morfológico e fonológico, sobretudo quando se olha para documentos grafados por mãos-inábeis. Investigar a colocação de clíticos na história da Língua em Portugal e no Brasil, pode prover pistas sobre seu funcionamento no passado, bem como compreender as mudanças linguísticas, entendidas aqui no sentido gerativista.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Investigar o comportamento de clíticos pronominais em corpora diacrônicos representativos do Português, abarcando textos escritos em Portugal nos séculos XVI, XVII e XVIII (corpus Mãos Inábeis), no Brasil nos séculos XIX (corpus Documentos Oitocentistas de Vitória da Conquista – DOViC) e textos de portugueses que viviam no Brasil nos séculos XVIII e XIX (Cartas de Mercadores).
MÉTODOS:
O corpus de textos portugueses constitui-se de cartas de denúncia da Inquisição Portuguesa (séculos XVII, XVIII e XIX), disponíveis eletronicamente no Corpus Histórico Português Tycho Brahe. Essas cartas foram utilizadas nas análises de Marquilhas (1997) e possuem um potencial valor linguístico. O conjunto de textos brasileiros (século XIX) se compõe de Cartas de Alforria escritas no sudoeste da Bahia e foram transcritas para esta pesquisa. As Cartas dos Mercadores (séculos XVIII e XIX) foram editadas por Barbosa (2001), disponíveis no site do Para a História do Português Brasileiro – PHPB. Para este trabalho, os seguintes fatores foram analisados: segmentação (quando o clítico é ou não amalgamado a verbos ou a outras palavras); posição do clítico em relação ao verbo (próclise, quando o clítico vem antes do verbo; ênclise, quando o clítico vem depois do verbo; e mesóclise, quando o clítico é amalgamado entre o verbo e sua flexão de presente do futuro ou do pretérito); contextos sintáticos (oração matriz ou dependente, finita ou não finita, subordinada finita; gerundiva; predicação complexa; subordinada infinitiva; e subordinada infinitiva introduzida por preposição); e direção de amálgama do clítico (se à esquerda ou à direita). Com isso, vários gráficos foram elaborados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Nos três corpora analisados, do ponto de vista fonológico, foram detectados dados de hipossegmentação envolvendo clíticos pronominais. Tanto o corpus Mãos Inábeis quanto o corpus DOViC assemelham-se por cada um apresentar clíticos amalgamados a uma só direção: no corpus Mãos Inábeis, à direita do verbo (avizaime) e, no Corpus DOVIC, à esquerda do verbo (meacompanharem). Entretanto, nas Cartas dos Mercadores foram encontrados clíticos amalgamados tanto à esquerda quanto à direita do verbo (lheremeto; adizerlhe). No contexto sintático, pode-se perceber que há variações quanto à colocação de clíticos nos três corpora analisados. Os contextos sintáticos foram analisados de acordo com a posição dos clíticos em relação ao verbo (próclise Cl-V; ênclise V-CL; e interpolação Cl-X-V – sendo Cl um clítico, V um verbo e X qualquer outro constituinte). No corpus Mãos Inábeis, apontam os dados uma maior ocorrência de clíticos em contextos de oração matrizes e subordinadas finitas. No corpus DOViC, houve um percentual maior de clíticos em orações subordinadas finitas e matrizes e não observados clíticos em estruturas de predicação complexa. No corpus Cartas dos Mercadores, prevaleceu a recorrência de clíticos em contextos de orações subordinada finita e matrizes.
CONCLUSÕES:
Portanto, dentro do recorte teórico-metodológico desta pesquisa, conclui-se que, quando hipossegmentados, os clíticos revelam direcionalidades diferentes entre os corpora analisados. No corpus Mãos Inábeis, que representa o Português Europeu do final do período Clássico, séculos XVII e XVIII, o clítico é amalgamado sistematicamente à palavra à sua esquerda, sendo que essa palavra é obrigatoriamente um verbo. No corpus DOViC, que representa o Português Brasileiro do século XIX, o clítico é amalgamado à palavra à sua direita, acrescente-se a isso que há amálgamas de clíticos a outras palavra que não verbos. Nas Cartas dos Mercadores, foram observados clíticos amalgamados às duas direções. Com isso, conclui-se que essa variação na colocação dos clíticos pode dar pistas sobre diferenças prosódicas considerando o Português da Europa (PE) e o Português do Brasil (PB). Além disso, pode ainda fornecer pistas de como o ritmo pode afetar o uso de estruturas sintáticas pelos estrangeiros portugueses que viviam no Brasil, bem como da diferença prosódica do PE e do PB.
Palavras-chave: Clíticos, Contexto Sintático, Mudança linguística.