65ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
Diálogos entre feminismos e poder judiciário: a implementação da Lei Maria da Penha no DF como política pública de reconhecimento do direito das mulheres à não violência.
Luna Borges Pereira Santos - Universidade de Brasília
INTRODUÇÃO:
A pertinência deste trabalho reside no contexto democrático em que é produzido: a existência da lei 11.340/06, ou Lei Maria da Penha (LMP), representa o resultado de atuações conjuntas entre grupos feministas, Estado e indivíduos envolvidos na busca pela igualdade de gênero. Diante deste panorama, problematizam-se tensões entre saberes feministas e valores tradicionais advindos do direito e da cultura no processo de implementação da LMP. Entende-se que a apropriação simbólica por parte da sociedade civil na interpretação da lei possibilita maior controle da atuação judicial. O presente artigo problematiza tensões entre saberes feministas e valores tradicionais advindos do direito e da cultura no processo de implementação desse dispositivo legal no Distrito Federal. Para tanto, utiliza-se como substrato empírico a observação etnográfica de casos de um Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar do DF.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Os principais pontos abordados no presente trabalho são: i) aplicação, pelo Judiciário, da não necessidade de representação nos casos de lesão corporal; ii) situações de violência causadas por corresponsabilidade; iii) utilização das medidas protetivas de urgência e encaminhamento psicossocial.
MÉTODOS:
A pesquisa empírica deste artigo é formada por entrevistas informais e semiabertas com profissionais do direito — juízes, promotores/as de justiça, bacharéis/elas — e com integrantes de movimentos feministas. Foram acompanhados 27 processos no Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher do Núcleo Bandeirante do Distrito Federal. Tal acompanhamento se iniciou com a observação desses mesmos processos, tanto no âmbito de audiências judiciais, quanto no atendimento pela equipe multidisciplinar (cuja composição envolve profissionais graduados em psicologia, assistência social e direito). Nas anotações no caderno de campo, procurou-se adotar durante a experiência etnográfica a perspectiva metodológica do distanciamento, para posterior análise das narrativas e inserções culturais presentes nas falas coletadas. A apreciação de tais dados se deu concomitantemente a uma revisão bibliográfica de textos e artigos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Demonstrou-se a existência de sensibilidade do Judiciário nos casos em que a suposta vítima requer arquivamento. Entende-se que a escolha de desistir do processo pode estar “viciada”, ou seja, sem autonomia, coagida. Em face disso, o juizado tem adotado a suspensão do arquivamento por seis meses. No entanto, não há apoio psicológico/jurídico suficiente para a mulher na apreciação de gradações de vontade em suas falas - dificultando uma possível construção de sua autonomia durante o processo judicial. Em casos sobre corresponsabilidade pela violência, no atendimento e na audiência, notam-se ambiguidades no discurso judicial, como a desconsideração da situação desigual de poder entre mulheres e homens (essencial nas propostas feministas na criação da LMP). A integridade física da mulher é protegida pelo uso de medidas protetivas, mas necessita que o Judiciário a fiscalize, pois há agressores que as desafiam. Não obstante a aplicação da LMP, ainda é preciso romper o ciclo de violência.
CONCLUSÕES:
A LMP possui um efeito simbólico na sociedade: torna a violência doméstica contra a mulher inaceitável. Entretanto, nuances vindas de experiências feministas são úteis para a aplicação da lei, pois defendem a insuficiência de respostas globalizantes e fixas na defesa de direitos. Para solucionar as questões apontadas, de modo a aumentar a eficácia da LMP, é preciso incorporar com mais intensidade valores pró-igualdade de gênero no Judiciário. Valores prejudiciais ao combate da violência doméstica (como a priorização da harmonia familiar e não dos direitos individuais da vítima) só podem ser evitados no discurso e na prática com uma aproximação entre poderes institucionalizados e parcelas da sociedade contrárias à naturalização da violência contra as mulheres. Conclui-se que possibilidades emancipatórias do sistema de poder do direito dependem da abertura para outros olhares que enxerguem as mulheres como autônomas dentro do próprio processo de judicialização de suas relações pessoais.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha, igualdade de gênero, Poder Judiciário.