65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 6. Liguística
"Não sei como é... mas é": reflexões acerca do processo de categorização de alunos cegos
Rosycléa Dantas Silva - Programa de Pós-graduação em Linguística - UFPB
INTRODUÇÃO:
A visão se constitui como um dos principais canais de acesso ao conhecimento. Por tal razão, o imaginário popular apresenta uma descrença quanto à capacidade cognitiva da pessoa cega. Nesse contexto, ressaltamos que ainda há uma escassez de estudos que versem sobre o desenvolvimento de conceitos por indivíduos cegos e, essa lacuna científica, reflete-se na prática dos profissionais da educação ao ensinar esses alunos. Dessa forma, a presente pesquisa pretende contribuir para o trabalho dos professores que atuam com o público em questão, fornecendo bases para que possam melhor entender o processo de conceptualização, por parte dos cegos, de palavras como transparente, invisível, arco-íris, horizonte, reflexo, pálido, entre outras, facilitando o ensino e a aprendizagem desses termos. Tais categorias linguísticas estão intimamente ligadas à percepção visual, daí o questionamento de como ensiná-las a uma pessoa cega. Para referendar as nossas discussões, utilizamos os estudos cognitivos postulados por Taylor (1995), Silva (1997) e Feltes (2007), e os pressupostos vygotskianos (1994, 1993 [1934]) sobre o desenvolvimento da criança cega e as pesquisas do neurocientista Oliver Sacks (2010) sobre como funciona o cérebro das pessoas cegas.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Investigar a partir de que modelos cognitivos a pessoa cega parte para conceptualizar algo que “depende” da visão.
MÉTODOS:
Optamos por uma metodologia de cunho qualitativo-interpretativista, na qual adotamos o estudo de caso, pela necessidade de atuarmos em um contexto real, na análise de situações específicas. Como participantes tivemos três alunos cegos congênitos, com faixa etária entre 15 e 18 anos. A coleta do corpus foi realizada em um instituto de ensino especializado para pessoas com necessidades específicas visuais na cidade de João Pessoa-PB, e está dividida em três etapas: questionário, teste de compreensão e protocolo verbal. A primeira e terceira etapas da coleta foram gravadas e transcritas e a segunda (teste de compreensão) foi realizada por escrito pelos alunos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A partir da análise dos dados, percebemos que os modelos cognitivos apresentados pelos participantes da pesquisa são diversificados, na medida em que, dependendo da experiência individual de cada um com o meio, apresentam modelos semelhantes aos dos videntes, sendo a conceptualização dos termos construída através da linguagem das pessoas a sua volta, de livros, músicas e programas de televisão. Tais resultados reforçam os postulados vygostkianos (1994 [1934]), de a linguagem é o principal elemento compensador da falta de visão e o pensamento de Sacks (2010), ao afirmar que a linguagem permite ao cego ver com olhos de outra pessoa. Os alunos, também, apresentam modelos cognitivos diferentes das pessoas que enxergam, com sentidos elaborados a partir da própria experiência (corporal - tátil, auditiva e social), além de construírem conceitos por meio da imaginação, dos olhos da mente. Isso demostra que modelos cognitivos, não são entidades fixas, sendo determinados pelas necessidades (FELTES,2007) dos alunos diante da ausência da visão.
CONCLUSÕES:
Com os resultados de que os alunos partem, dependendo da experiência com o meio e das suas necessidades, tanto de modelos cognitivos iguais, quanto diferentes aos dos videntes, para conceptualizar palavras que têm como base de compreensão o sentido visual, ressaltamos que a eliminação de um entendimento errôneo sobre a capacidade cognitiva dos cegos, bem como a compreensão de como esses indivíduos entendem termos que, pelo senso comum, “só sabe quem enxerga”, contribuirá para um processo educacional menos “deficiente” e mais significativo. Acreditamos, também, que a inclusão do aluno com necessidades educacionais específicas é um processo árduo para a maioria dos professores, pois estes tentam se equilibrar sobre bases ainda não tão sólidas (SALGADO, 2008). Assim, esperamos com esse trabalho, como afirma Celani (2004), “[...] propiciar uma atitude de busca também fora dos mapas, para que seja possível encontrar os lugares procurados”, onde as bases sejam sólidas e a aprendizagem seja de e para todos.
Palavras-chave: Cognição, Deficientes visuais, Ensino.