65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 7. Música e Dança
Configurações identitárias na obra de Estércio Marquez Cunha: o “sotaque” de um compositor goiano
Felipe Eugênio Vinhal - Escola de Música e Artes Cênicas - UFG
Magda de Miranda Clímaco - Profa. Dra./Orientadora - Escola de Música e Artes Cênicas - UFG
INTRODUÇÃO:
A abordagem da música em sua relação intricada com a sociedade, sua capacidade de evidenciar representações sociais, por sua vez um campo forjador de processos identitários, eram até recentemente alijados dos estudos musicológicos. Em diálogo com estas tendências atuais, essa pesquisa tem como objeto de estudo um conjunto de obras selecionadas do compositor goiano Estércio Marques Cunha, na sua capacidade de revelar configurações identitárias.
Meu contato inicial com o compositor se deu no início de meus estudos, em meio a teorizações acerca da música e sua relação com a cultura, e suas obras, a princípio, pareciam dissoar de uma sonoridade goiana, parecendo, portanto, dialogarem somente com a cultura européia, em estilo contemporâneo, pleno de dissonâncias, sons aleatórios e sem eixo tonal. Deste paradoxo, surge necessidade de divulgar a obra deste importante compositor, ainda em atividade, tendo em vista seu trânsito por diferentes culturas, e como seu “sotaque” goiano se evidenciava, além de contribuir com a vanguarda dos estudos musicológicos.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Esse trabalho tem como objetivo investigar os processos identitários implicados com a obra do compositor Estércio Marquez Cunha, tendo em vista circunstâncias envolvidas com o representacional ligado à sua condição goiana e a processos de interação cultural, assim como averiguar a importância e consequência de sua atuação na vida musical e cultural do cenário sócio-histórico e cultural goianiense.
MÉTODOS:
Um enfoque de base qualitativa foi adotado nesse trabalho, tendo em vista a utilização de alguns elementos da análise do discurso, embasados na noção de gênero do discurso, no qual um determinado gênero, ou matriz cultural, característica de um campo de atuação social, é sujeita a constantes processos de atualização a partir de encontros culturais e temporais diversos, em função do instrumental de levantamento de dados utilizado. Como complemento, foram necessários elementos para uma análise fenomenológica, que aponta para o estudo musicológico as seguintes etapas: audição aberta, análise sintática, análise semântica e análise ontológica. Os dados levantados foram analisados e interpretados levando em consideração a contextualização dos mesmos, numa trajetória que implicou em pesquisa bibliográfica e documental (livros relacionados às teorias aplicadas, sobre o cenário goiano, harmonia e análise, teses e dissertações acerca do compositor); análise de partituras (manuscritas e impressas); audição de gravações de áudio e vídeo (CDs e vídeos midiáticos).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A pesquisa bibliográfica forneceu dados importantes acerca da trajetória de Estércio Marquez Cunha. Este iniciou seus estudos musicais em piano na cidade de Goiânia, se graduou em piano e composição no Rio de Janeiro, no Conservatório Brasileiro de Música, fez um curso de especialização em música contemporânea com o compositor uruguaio Conrado Silva, concluiu mestrado e doutorado na Oklahoma University, onde teve grande contato com o gênero música-teatro. Possui vasta gama de obra, concentrada, principalmente, na música de câmara e música-teatro, suas formações favoritas. A pesquisa do cenário goiano aponta o piano e formações corais e de bandas de metais, sobretudo ligadas à igreja católica, na base do desenvolvimento musical goiano desde meados do século XIX. No século seguinte, já na nova capital, foi de grande influência o antigo Conservatório Goiano de Música, que mais tarde foi incorporado à criação da Universidade Federal de Goiás. Em diálogo com estes diferentes cenários culturais e temporais, a obra de Estércio, analisada em três obras-chaves nesses momentos (” Sonata para violino e piano, de 1967, “Music for Band Nº1”, de 1981 e “Coral Nº 2”, de 2010), revelam não só características de estilo individuais (contemporâneo), como contextuais goianas.
CONCLUSÕES:
A primeira peça foi selecionada na expectativa de que pudesse evidenciar os processos composicionais de Estércio antes que deixasse o Brasil. Esta peça também utiliza o piano, um instrumento intimamente ligado ao desenvolvimento musical goiano e à história da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG. Por sua vez, a segunda, como sugere o título em inglês, foi composta nos EUA e representa uma nova etapa na trajetória do compositor, já marcando encontros culturais em diálogo com o seu “sotaque” goiano. As bandas tiveram fundamental contribuição para a música em Goiás, se constituindo numa verdadeira representação simbólica desta alteridade histórica, além da latente circularidade cultural promovida em sua criação e execução. Por fim, o Coral Nº2 representa um novo estágio estilístico e filosófico do compositor, que já interagiu com diferentes culturas. Composta para coral - grupo de tradição cultural em Goiás e parte também da própria história da atual Escola de Música e Artes Cênicas - essa obra refere-se no texto à natureza local e já revela uma característica própria: o silêncio - remetendo à paisagem sonora cerrana, marcada por silêncio, paz e tranqüilidade, traços estes também evidenciados na grande utilização de pausas, e na maneira suave com que o compositor conduz a obra.
Palavras-chave: Estércio Marquez Cunha, Representações sociais e configurações identitárias, Interação sócio-cultural.