65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
MACHADO DE ASSIS E SUAS “BALAS DE ESTALO”: A PERMANÊNCIA DO TEXTO ENTRE ESTETIZAÇÕES E CONTINGÊNCIAS HISTÓRICAS
Janaína Tatim - Bolsista de iniciação científica PIBIC/CNPq – UFRGS
Antonio Marcos Vieira Sanseverino - Prof. Dr. / Orientador – Vice Coordenador de Pós-Graduação em Letras – UFRGS
INTRODUÇÃO:
O projeto de pesquisa no qual este trabalho se insere, propõe o estudo da prosa machadiana publicada entre os anos de 1880 e 1886, com ênfase na série coletiva de crônicas “Balas de Estalo”, publicada na Gazeta de Notícias.
Esse jornal, um dos mais importantes do século XIX, tinha como proposta incorporar ao seu comprometimento com o dia-a-dia político do Império e com o cotidiano da cidade, o tom de leveza e humor, fazendo com que as críticas ganhassem ambivalência. Era também um largo esteio para produção e discussão de literatura.
As “Balas de Estalo” teriam sido idealizadas pelo dono e fundador da Gazeta, Ferreira de Araújo. Sua ideia era fazer uma seção de sentido ambivalente, sugerido no título: as “Balas”, ao mesmo tempo doces, leves e engraçadas, ofereceriam recheio um tanto ácido e explosivo, unindo, assim, humor e crítica. Nela se revezavam diversos autores usando pseudônimos. Observando tais diretrizes, as crônicas desenvolveram protocolos de escrita, publicação e leitura. Porém, é equivocado dizer que os textos eram homogêneos.
Então, investimos na recuperação do contexto de produção a partir do seguinte problema: sendo as “Balas de Estalo” um projeto coletivo, com vários colaboradores orientados por diretrizes e procedimentos comuns, o que a experiência desse projeto significou para a prosa machadiana e para a sedimentação de gêneros?
OBJETIVO DO TRABALHO:
Temos 3 objetivos centrais: realizar levantamento e contextualização da série “Balas de Estalo”; reinterpretar as crônicas que nela Machado de Assis escreveu, por meio do estudo da série enquanto grupo; verificar o problema: como e por que as crônicas desse escritor transcendem a referencialidade histórico-textual, permanecendo legíveis e contribuindo para a sedimentação do gênero como literário.
MÉTODOS:
As “Balas de Estalo” (1883 a 1886) em sua totalidade nunca foram publicadas em livro. Assim, a pesquisa utiliza fontes primárias, isto é, os textos em seu local de publicação, tal como nele aparecem, num esforço de recuperação de seu contexto imediato. Deste modo, foi necessária a visita ao Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP) para obter os microfilmes da Gazeta de Notícias e além do acesso constante à Hemeroteca Digital Brasileira.
Iniciamos pelo levantamento de quase 940 crônicas, assinadas por mais de quinze pseudônimos e distribuídas em quatro anos de publicação. O trabalho é também qualitativo, compreendendo leitura, estudo e formação de hipóteses.
Realiza-se o levantamento da fortuna crítica machadiana, sobretudo a que se refere ao período, aos textos em questão e aos problemas suscitados pelo corpus. Há a preocupação em construir um núcleo conceitual que ampare a análise e a interpretação a partir da relação entre forma literária e processo social.
Contamos com um orientador e seis orientandos que cursam graduação em letras na UFRGS. Semanalmente, discutimos os estudos de cada membro, além de artigos e livros, oriundos da fortuna crítica machadiana, mas também de problemas e de categorias do campo da teoria literária. Ocorre o planejamento de apresentações de trabalhos, elaboração de relatórios e artigos para publicação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A leitura do conjunto da série indicou três pontos de discussão. O primeiro se refere aos traços textuais compartilhados pelo grupo. O segundo, à questão da legibilidade das crônicas, do acesso ao sentido e do distanciamento com relação aos objetos tematizados. O terceiro foi a notável diferença nos procedimentos de Machado de Assis em comparação aos de seus colegas, sobretudo quanto ao problema da legibilidade do texto.
Todos os autores compartilham traços de ironia, paródia, sátira, metaforização ampliada, duplo sentido, uso de cenas e diálogos típicos da comédia, caricaturização, uso de gênero epistolar, relatório, quadrinhas populares e bordões. Lélio (Machado de Assis) se particularizou pelo modo literário-narrativo de seus textos, enquanto nos demais pseudônimos, predomina o modo retórico-dissertativo no uso dos mesmos recursos.
A legibilidade do texto se liga à essa diferenciação. Está em questão a elaboração estética que transfigura a referencialidade em símbolo ou alegoria. A capacidade de manter-se mais legível ao longo do tempo se constitui na elaboração dos sentidos de modo mais imanente aos próprios termos.
A maioria das crônicas de “Balas de Estalo” não opera esse procedimento, ficando colada à referencialidade imediata. No entanto, as crônicas de Machado são uma incógnita: o que fez com que elas permanecessem relativamente legíveis ainda hoje?
CONCLUSÕES:
A crônica foi constituída como um gênero híbrido, adaptação da crônica histórica e do relato de viagem aos jornais e revistas. Neles, as crônicas vão dialogar e se diferenciar de outros gêneros, como notícia e folhetim. Alencar e Macedo assentaram seu traço dominante: fazer o comentário da semana, do cotidiano, da política. Para alguns pesquisadores a marca da crônica é sua indeterminação, a ligação com o tempo em que se vive, que a faz depender dos acontecimentos com os quais quer interagir.
Porém nada disto garante que a encaremos como literária. Nosso estudo em torno das “Balas de Estalo” enquanto série coletiva e do lugar de Machado de Assis nela, possibilitou pistas para o entendimento da questão.
O que garantiu a legibilidade das crônicas de Machado não foi um alheamento da realidade, mas sua tradução em linguagem literária. Ele as elaborou a partir do amálgama das contingências históricas com procedimentos estéticos e topoi permanentes da cultura ocidental, como a morte, a passagem do tempo, os vícios, a impossibilidade de se estabelecer a verdade.
De fato, os textos de cronistas brasileiros consagrados parecem não guardar identidade com as crônicas de “Balas de Estalo”. Porém, se há um legado deixado pela série, mesmo que indireto, este talvez seja o modo particular que Machado forjou para lidar com a necessidade do diálogo com as contingência e com seus pares.
Palavras-chave: Crônica, Legibilidade, Procedimentos estéticos.