65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 6. Arquitetura e Urbanismo - 1. Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo
BELOS PANORAMAS, MATIZES IMAGINÁRIOS: AS REPRESENTAÇÕES DA CIDADE COLONIAL BRASILEIRA NA OBRA DE WILLIAM JOHN BURCHELL (1825-1830).
Barbara Gondim Lambert Moreira - Depto.de Arquitetura - UFRN
George Alexandre Ferreira Dantas - Prof. Dr./Orientador - Depto.de Arquitetura - UFRN
INTRODUÇÃO:
Com a abertura dos Portos em 1810, O Brasil adquiriu importância estratégica, científica e comercial para inúmeras nações estrangeiras, recebendo artistas e cientistas europeus sob a proteção da família real portuguesa. Destacam-se, dentre esse contingente de viajantes, o botânico e pintor inglês William John Burchell que, entre os anos de 1825 a 1830, percorreu as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Pará. Durante os cinco anos de sua viagem, Burchell catalogou mais de 7.000 espécies de plantas nativas e produziu cerca de 260 desenhos e aquarelas de cidades e vilas recém-saídas do período colonial. O presente trabalho busca compreender a construção das imagens sobre a paisagem urbana brasileira oitocentista a partir da análise da produção iconográfica de Burchell, apontando as particularidades de sua visão sobre a arquitetura e a cidade antiga.
O reduzido número de estudos que iluminem sua estadia no Brasil permite a contribuição da presente pesquisa para a bibliografia da documentação iconográfica e na problematização das fontes para melhor entender o Brasil urbano do século XIX.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Analisar a iconografia dos viajantes estrangeiros que passaram pelos núcleos urbanos brasileiros ao longo do século XIX, enfatizando a produção de Burchell, para o entendimento do papel de sua obra na construção das representações sobre a paisagem urbana oitocentista, contribuindo ao debate sobre a formação das representações sobre a cidade colonial.
MÉTODOS:
A análise fundamentou-se em dois procedimentos: 1) revisão bibliográfica, com enfoque na sistematização dos dados biográficos e na problematização do material iconográfico produzido por Burchell como fonte historiográfica sobre o assunto; 2) para o estudo e a análise das fontes primárias, o material iconográfico levantado refere-se às obras de William John Burchell relativas à paisagem urbana brasileira, tendo como elemento norteador de análise a descrição das cidades coloniais. O crivo de escolha das obras estudadas foi a presença do tema da cidade colonial (panoramas, perspectivas da cidade, presença de elementos arquitetônicos na cena, etc). A leitura da iconografia elencada se deu por meio da leitura formal (observação dos elementos que compõem a obra de arte, ou seja, os elementos expressivos, como a linha, a cor, a técnica empregada, etc), o contexto histórico e a leitura interpretativa (localizar a obra no recorte histórico e no espaço, observando o tema e os significados que podemos extrair, ou seja, os contextos em que foi criada). Para o estudo das fontes primárias foi realizada uma revisão teórico-metodológica acerca dos conceitos de “representação” (CHARTIER, 1988), “cidade colonial” (CENTURIÃO, 1999, e REIS, 2000) e “esquema” (GOMBRICH, 1960).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Os núcleos urbanos coloniais ao longo da iconografia viajante foram retratados de maneiras diversas, contudo sua imagem difundida é homogênea. Um primeiro olhar indica a dissonância entre a obra de Burchell e o corpus iconográfico dos demais viajantes. Burchell não era um viajante inexperiente ao chegar ao Brasil; havia percorrido o continente africano durante dez anos. Como pintor experiente de paisagens tropicais esperava-se que possuísse repertório para a “leitura” mais apurada das paisagens naturais e construída dos trópicos. Notável botânico, reconhecia a importância do registro in loco dos objetos retratados – prática não usual aos seus contemporâneos exploradores - enfatizando que o artista deveria adotar a “arte como um meio de exibir a natureza e transmitir informação” (BURCHELL p.396). A “confiabilidade” do seu registro não se deve tão somente à sua técnica. Sabe-se que Burchell utilizava-se de uma caixa ótica, mecanismo que projetava sobre a tela o panorama a ser reproduzido, dando ao desenho mais preciosismo em relação às escalas e detalhes. Seus desenhos por vezes pontuados, ora por marcações que indicavam a distância dos planos em relação ao observador, ora por coordenadas geográficas, embasariam a “acuidade” e “veracidade” com que sua obra é comumente descrita.
CONCLUSÕES:
O pesquisador Gilberto Freyre em seu livro “Sobrados e mucambos” (1936) destacou a importância da narrativa dos viajantes para o estudo da cultura e configuração do Brasil no século XIX. O conjunto de tais narrativas – textuais e iconográficas- foram tomadas como representações fiéis e reproduzidas pela historiografia do século XX.
Enquanto muitos viajantes demonstravam uma imagem de entusiasmo pela mata tropical e não conferiam à paisagem urbana o mesmo esmero, Burchell nos apresenta a arquitetura colonial detalhada em meio à massa de vegetação esquemática; entretanto o “ineditismo” da paisagem brasileira não atendia de todo aos valores estéticos do estilo neoclássico, nem a dinâmica urbana é comportada pelos esquemas utilizados. Em “O Mais Belo Panorama do Rio de Janeiro” (1825) Burchell faz a urbe carioca florescer em meio à copiosa vegetação, opondo-se ao lugar-comum presente nas outras representações: No lugar dos casarios representados em traços esmaecidos e miniaturizados, Burchell nos exibe detalhes construtivos em primeiro plano e enquadramentos que evidenciam a conformação urbana. Entre as tradições do pitoresco e pretensões do olhar científico, vislumbra-se a importância da obra de Burchell, singular no estudo da iconografia das cidades coloniais brasileiras.
Palavras-chave: Viajantes estrangeiros;, Iconografia;, Representações..