65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 9. Direito Penal
UMA DEMOCRACIA COM PULSÕES AUTORITÁRIAS – NOTAS SOBRE A POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA
Thayara S. Castelo Branco - Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, PUCRS
Thiago Hanney Medeiros de Souza - Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, PUCRS
Milton Gustavo Vasconcelos - Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, PUCRS
Álvaro Filipe Oxley da Rocha - Prof. Dr. Orientador - Pós-Graduação em Ciências Criminais, PUCRS
INTRODUÇÃO:
Trata-se de uma análise sobre a atual política criminal brasileira frente ao Estado Democrático de Direito (formal e simbólico?). Problematizou-se a transição entre a Ditadura Militar (com sua Política de Segurança Nacional) e a Democracia (com seu sistema de segurança pública e a política de tolerância zero). Houve, de fato, uma transição do regime militar e seus aparatos de segurança para um regime democrático? Tivemos mudanças nas estratégias político-criminais? Para tais questões, primeiramente trabalhamos dados estatísticos, pretendendo identificar, descrever e comparar as estratégias político-criminais predominantes nesses momentos políticos. Além disso, levantamos e discutimos alguns elementos de legitimação dessa política punitivista e autoritária exercida no Estado Democrático de Direito: cultura do medo; discursos de emergências; arquitetura de segurança das cidades; (re)construções da noção de inimigos; autoritarismo cool; etc.
OBJETIVO DO TRABALHO:
O objetivo da pesquisa é analisar a política criminal brasileira, avaliando se, de fato, houve uma transição estrutural e ideológica (legislativa) da Ditadura Militar para a Democracia, em termos de sistema de justiça criminal.
MÉTODOS:
Primeiramente, optou-se por uma revisão bibliográfica para analisarmos o estado da arte em relação à Política Criminal brasileira. Iniciamos com a transição do regime ditatorial (Política de Segurança Nacional) para a Democracia (política criminal de tolerância zero). Optamos ainda por analisar o que denominamos de Estado Democrático de Exceção (e suas particularidades), bem como a questão dos fascismos punitivos (individuais e coletivos). Num segundo momento, apresentamos um banco de dados, que indica a expansão legislativa no âmbito penal entre a ditadura e a democracia. A coleta dos dados deu-se da seguinte forma: foram lidas todas as leis promulgadas que tinham em suas ementas indicação de norma penal ou o termo “e dá outras providências”, pois muitas leis não referem explicitamente em sua ementa a criação de norma penal. Com isso, toda lei que continha norma com relevância político-criminal foi compilada para o banco. Além disso, foram compiladas as justificativas dos projetos de lei que as originaram, pois poderiam conter discursos relevantes para a análise da política criminal. Dispondo deste banco de dados, foi feita a análise qualitativa, objetivando especificamente, avaliar as estratégias político-criminais predominantes no período político referido.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
O primeiro resultado foi a elaboração de uma tabela contendo a quantidade de leis (penais) aprovadas entre 1964 e 2010 (total de 230 leis). Das 69 leis aprovadas durante a ditadura militar, 41 representam expansão do poder punitivo e 5 sua limitação, estando as demais entre normas neutras, de prevenção e de privilégio. Das 161 leis aprovadas no período democrático, 97 representam expansão punitiva, 22 representam sua limitação, estando as demais normas também divididas nas categorias já mencionadas. Finalizando, observou-se que a Ditadura Militar e a Democracia, apesar de representarem momentos políticos antagônicos, apresentam uma política criminal similar – de expansão do poder punitivo e de controle estatal. Durante o regime militar 59,42% das leis penais aprovadas representaram expansão do poder punitivo, enquanto que no período democrático a porcentagem é quase igual, totalizando 60,24%. Apesar dos avanços qualitativos em alguns pontos, tivemos predominantemente uma hiperinflação legislativa (punitiva), de negação de garantias individuais, que operacionaliza e solidifica a expansão de uma política criminal atroz, fortalecendo o discurso e as técnicas da guerra contra o crime.
CONCLUSÕES:
Estamos diante de uma situação de esquizofrenia: vigência de uma democracia (simbolicamente reconhecida), com discursos de fortalecimento do Estado Democrático de Direito, de exaltação dos Direitos Humanos e garantias fundamentais; no campo diametralmente oposto, um agigantamento do Estado Penal militarizado, que se encaminha para um Estado de Exceção, justificado para proteger a sociedade de bem e defender a democracia. Com o Estado Social cada vez mais diminuído e atomizado, deslocam-se todas as responsabilidades e esperanças de soluções de problemas (de todas as ordens) para o âmbito penal, estabelecendo o paradigma de segurança como técnica normal de governo. Quanto mais se fala em cidadania, mais se inocuiza, tortura e extermina. O Estado violento, que durante a ditadura foi amplamente rechaçado pela sociedade, é visto atualmente como bom e necessário. As práticas autoritárias – sobretudo no Sistema de Justiça Criminal – não foram eliminadas com as mudanças no âmbito político. Pelo contrário, é claro o desaparecimento dos ideais democráticos e a negação dos direitos humanos/fundamentais quando em ação os mecanismos violentos, desumanos e autoritários do Estado em busca da eliminação do mal social (também inimigo), em proteção da sociedade de bem.
Palavras-chave: política criminal, ditadura militar, democracia.