65ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 7. Etnologia Indígena
PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO: UMA NOVA “CATEQUESE” DE INDÍGENAS
Darci Secchi - Instituto de Educação-UFMT
Raquel Furtunato da Silva - Programa de Pós-Graduação em Educação-UFMT
INTRODUÇÃO:
Todas as sociedades têm a possibilidade de incorporar e ressignificar os elementos culturais externos que considerem necessários para o desenvolvimento do seu plano de vida, (entendido aqui como o conjunto de aspirações coletivas de um determinado povo ou comunidade). Nesse sentido, os projetos de desenvolvimento em áreas indígenas financiados pelo poder público ou por organismos de cooperação internacional (PNUD, Governo Britânico, BIRD, Banco Mundial etc.) podem se constituir em ferramentas importantes para alcançar esses propósitos. No entanto, a história recente indica que tais iniciativas pouco colaboraram para ampliar a autonomia das comunidades indígenas e que, ao contrário, tornaram-se instrumentos de cerceamento e de controle do seu modo de vida. Ao aderirem ao modelo de desenvolvimento ancorado em projetos externos, as comunidades indígenas aderem, compulsoriamente, a um ‘pacote’ de medidas e restrições similares às outrora impostas pelas agências colonialistas. Se as missões religiosas ensejavam a conversão ao um Deus-Criador, essa nova forma de ‘catequese’, exige a conversão a um deus-consumidor; às Leis do Mercado
OBJETIVO DO TRABALHO:
O objetivo do estudo foi analisar os projetos de desenvolvimento elaborados por comunidades indígenas da Amazônia identificando os aspectos das culturas locais, impactados pela busca de financiamentos externos, para viabilizar a sua economia, segurança alimentar e sustentabilidade ambiental.
MÉTODOS:
Para realizar o estudo, foram selecionados cinco projetos de desenvolvimentos elaborados por comunidades indígenas de diferentes estados da Amazônia com o intuito de obterem financiamento a ‘fundo perdido’. Os projetos eram destinados a órgãos do governo brasileiro (Ministério do Meio Ambiente – MMA), e seriam financiados com fundos oriundos de agências da cooperação internacional. Todos contaram com o aporte conceitual e técnico do Curso de Formação de Gestores Indígenas desenvolvido por Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas – PDPI, a partir do ano de 2004, em diferentes regiões da Amazônia. O recorte de análise considerou especialmente as noções de autonomia e de protagonismo indígena e, complementarmente, as de sustentabilidade, gestão e participação comunitária. Em cada um dos projetos foi considerada também a realidade específica do contato com o entorno regional e o histórico de atuação de agências externas (FUNAI, Missões, ONGs etc.). Os dados foram sistematizados em planilhas de ocorrências e serviram para a análise de cunho interpretativo (Geertz e outros).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Como todos os projetos analisados e elaborados no âmbito do PDPI, não apresentarão variações significativas em sua apresentação formal, nem, tampouco, na sua concepção e fundamentação. Tal aspecto indicou uma padronização excessiva, a condição de um ‘pacote’ que desconsiderou as especificidades de cada povo, seu modo de perceber o mundo e as relações com outros povos e culturas. Outro aspecto revelador disse respeito à expectativa de que o “Projeto” seria a remissão de todos os problemas comunitários, especialmente dos relacionados à economia e à segurança alimentar. Como se sabe, o ingresso pontual de recursos externos não assegura, por si só, a sustentabilidade. Ao contrário, pode gerar maior dependência e perda de autonomia e de controle do plano de vida das famílias e comunidades. Por fim, ficou evidente que a linguagem dos projetos traz subjacente a ‘doutrina’ dos seus financiadores, expressa pelo desejo de integração de todos os povos em todos seus aspectos (culturais, filosóficos, econômicos, políticos, territoriais etc.) ao mundo ‘globalizado’.
CONCLUSÕES:
A situação atual dos povos indígenas da Amazônia aponta para a necessidade urgente de implementar iniciativas no sentido de suprir demandas em diferentes campos de intervenção (saúde indígena, educação escolar, economia sustentável, segurança alimentar, gestão de recursos naturais, domínio territorial etc.) As iniciativas de intervenção externas precisam ser dirigidas no sentido de resguardar as especificidades de cada povo e de assegurar-lhes o controle efetivo, a autonomia e protagonismo do seu plano de vida. Sem essas condições, as terras indígenas continuarão sendo verdadeiros ‘cemitérios’ de projetos falido. Para reverter esse quadro, os projetos de desenvolvimento não podem ser concebidos como uma nova doutrina que interfere nos seus ideários, nem, tampouco, como uma catequese, que viole sua cultura. Ao contrário, deverão ser concebidos e executados com a percepção dos seus interessados; com conceitos e expectativas por eles definidas. Dessa forma, os projetos externos poderão se tornar ferramentas para o desenvolvimento e o convívio simétrico entre os povos e as culturas
Palavras-chave: Projetos de desenvolvimento, Economia indígena, Integração indígena.