65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 6. Direito do Estado
MOBILIZAÇÕES POPULARES E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: O IMPACTO DOS ESCRACHOS AOS AGENTES DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA
Alexandre Garcia Araújo - Discente / Dpto. de Ciências Sociais Aplicadas - UESB
Ruy Hermann Araújo Medeiros - Prof. Msc / Dpto. de Ciências Sociais Aplicadas - UESB
INTRODUÇÃO:
Em 26 de março de 2012, um grupo de jovens, organizados no Levante Popular da Juventude, promoveu uma série de ações que causaram grande repercussão na sociedade brasileira: os escrachos (ou esculachos). De forma secreta, os jovens se dirigiram até as residências ou locais de trabalho de militares ou médicos que comprovadamente participaram de sessões de tortura durante o período da ditadura militar, para denunciar essa situação. Munidos com carros de som, panfletos e músicas, os jovens denunciaram aos vizinhos e a quem passava no local, que ali morava ou trabalhava um ex-agente da ditadura militar.
Essas ações, inéditas no Brasil, foram inspiradas em semelhantes do Chile e na Argentina e tiveram como propósito pressionar o Estado brasileiro a instaurar a Comissão Nacional da Verdade, que já havia sido promulgada em lei no mês de novembro de 2011. Durante todo o ano novos escrachos foram realizados com o intuito de colocar esse debate na ordem do dia, haja vista o grande tabu que gira em torno do tema. Assim, o presente trabalho buscou identificar quais foram as reações do Estado Brasileiro frente aos escrachos promovidos pelo Levante no ano de 2012, e, como essas manifestações contribuíram para a efetivação do direito à memória e à verdade.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Analisar os escrachos que o Levante promoveu em 2012, identificando as suas decorrências sociopolíticas, e as reações do Estado Brasileiro no que tange à consolidação e efetivação do Direito à Memória e à Verdade. Provocar, também, uma disputa ideológica em torno do assunto, a partir de concepções contra hegemônicas e que propiciem um conhecimento de validade social e não só acadêmica.
MÉTODOS:
Para aprofundar o estudo sobre o período de exceção e seus desdobramentos, foi realizada vasta revisão bibliográfica, que envolveu desde os clássicos, às mais novas publicações decorrentes das movimentações da sociedade civil organizada. Ademais, a legislação da época foi consultada, como a Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa, Lei de Anistia, e as novas leis que instituíram a Comissão Nacional da Verdade e a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.
Sobre os escrachos e a repercussão que teve na sociedade, a principal fonte foram os blogs estaduais e nacional do Levante, além de entrevistas semi-estruturadas com os militantes do movimento. Além disso, dados foram extraídos dos sítios dos órgãos governamentais e entidades de classe que se posicionaram sobre as manifestações em repúdio ao regime militar brasileiro.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Após a primeira rodada de escrachos, houve de pronto uma ofensiva ao Levante, com um ataque ao seu sítio, retirada de vídeos do youtube e diversas ameaças postadas em seu blog. Em seguida uma série de organizações, juristas, parlamentares e intelectuais lançaram manifesto em apoio à liberdade de manifestação pacífica do Levante. A mídia se posicionou das mais diversas formas: enquanto a Globo não cobriu os atos, a Rede Record os transmitiu em cadeia nacional; a Veja criminalizou o movimento e os blogs em geral foram os responsáveis pela ampla divulgação das matérias elaboradas pelos próprios jovens. Um mês depois, os escrachos viriam a se tornar tema de vestibular da Universidade Federal de Uberlândia.
Em Natal-RN, enquanto o movimento foi indicado para receber um prêmio de Direitos Humanos, em Sergipe, um dos “escrachados” ingressou com queixa-crime pelo delito de calúnia contra seis militantes. Esse caso teve grande repercussão e novamente o apoio da sociedade civil foi massivo, fazendo com que na primeira audiência de instrução o médico desistisse da ação e retirasse a queixa. Doze dias depois, em 17 de dezembro, o Levante recebeu prêmio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos pelas ações que realizou.
CONCLUSÕES:
Todos esses fatos, decorrentes dos escrachos, fizeram com que o debate sobre a Comissão da Verdade saísse do meio intelectual e pudesse ganhar as ruas. Os mais diversos setores da sociedade tiveram que se posicionar frente às ações do Levante, o que garantiu a sua capilarização e com ela, novos adeptos à causa.
O Direito à Memória e à Verdade é um direito inalienável que todos os povos têm de conhecer a verdade sobre violações aberrantes que aconteceram em seu passado, bem como seus motivos e circunstâncias. Assim se constrói a identidade de uma nação, fazendo com que as novas gerações, ao conhecerem os erros cometidos no passado, possam escrever um novo futuro, livre das antigas opressões.
Dessa forma, conclui-se que com a ação e sua repercussão, houve avanço na efetivação desse direito fundamental, e na consolidação, em nosso país, da chamada Justiça de Transição. Ficou demonstrado também que as movimentações populares são essenciais para a garantia, defesa e conquista dos direitos da classe trabalhadora.
Palavras-chave: Comissão da Verdade, Levante Popular da Juventude, Direito à Memória e à Verdade.