65ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social
OS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA EM TEMPOS DE REPRESSÃO: OS DIREITOS REIVINDICADOS NA JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE NAZARÉ DA MATA EM 1964
Ana Karolina Pinto da Silva - Depto. de História - UFPE
INTRODUÇÃO:
Os trabalhadores rurais estiveram, durante a primeira metade do século XX, à margem das conquistas asseguradas pela Consolidação das Leis Trabalhistas, de 1943. Apenas em 1963, com a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), os assalariados rurais passaram a contar com um suporte legal que regulava as relações de trabalho no campo e garantia-lhes direitos básicos. A multiplicação das Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ) na Zona da Mata de Pernambuco possibilitou o exercício destes direitos. No início dos anos 1960, os movimentos reivindicatórios no campo tiveram grande força. A organização das Ligas Camponesas e dos Sindicatos e, em 1963, as inúmeras greves de trabalhadores no campo e a política do governador Miguel Arraes marcaram a história das lutas por melhores condições de trabalho. O Acordo do Campo, uma negociação mediada pelo governo Arraes, em novembro de 1963, estabeleceu uma tabela de remuneração e determinou o salário mínimo para estes trabalhadores. Com o Golpe Civil-Militar de 1964, o ETR não foi revogado imediatamente e as Juntas continuaram funcionando. Contudo, muitos líderes foram perseguidos e houve uma maior intervenção do Estado nas entidades, sobretudo a eliminação de qualquer influência de caráter comunista, bem como das Ligas Camponesas.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Analisar os processos trabalhistas, iniciados em 1964, da Junta de Conciliação e Julgamento de Nazaré da Mata que dizem respeito a trabalhadores empregados na atividade sucroalcooleira. A partir desta documentação, compreender como ocorriam as relações de trabalho e traçar o perfil dos canavieiros que recorriam à Justiça do Trabalho, na Zona da Mata Norte de Pernambuco.
MÉTODOS:
Foram levantados, com a orientação da professora Christine Rufino Dabat, os processos trabalhistas de 1964, presentes no arquivo da JCJ de Nazaré da Mata. Estes arquivos fazem parte do acervo do TRT (6ª região), que está sob a guarda da UFPE, localizados no 4° andar do Centro de Filosofia Ciências Humanas. Paralelamente à revisão bibliográfica referente ao tema, a pesquisa voltou-se à análise da documentação referente aos trabalhadores da indústria sucroalcooleira. Verificando-se a importância em compor o quadro no qual esses casos estão inseridos, foram catalogados todos os processos presentes no referido arquivo – 500 processos neste primeiro momento – com informações básicas, sendo posteriormente realizada uma seleção visando singularizar os processos que se enquadram na problemática avançada na Introdução. Com relação a estes, foram identificados e sistematizados indicadores importantes para o objetivo estabelecido, tais como: residência do trabalhador, estado civil, sexo, categoria do trabalhador, motivo da ação, sindicato ao qual estava associado, sentença, nome do juiz e advogados envolvidos, tempo de serviço, salário, estado físico do processo, etc.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A referida Junta, formada em 1963, possuía jurisdição, além do município de Nazaré da Mata, sobre os municípios de Carpina, Aliança, Timbaúba, Vicência, Macaparana, São Vicente Ferrer, Limoeiro, Bom Jardim, João Alfredo e Orobó. Dos 500 processos iniciados registrados, 213 foram iniciados por trabalhadores do açúcar, de diversas categorias, cortadores de cana em sua maioria. As principais reivindicações desses trabalhadores eram: 13° (26,13% das reclamações) aviso prévio (25, 53%), indenização (13,9%), férias (13,59%), diferença salarial (12,99%), repouso remunerado (4,08%). Outros objetos de reclamação e que aparecem com menor frequência (3,78%) nos autos foram: rescisão de contrato, cumprimento de contrato, feriados, anotação da Carteira de Trabalho, salários retidos, horas extras e reintegração. Os processos analisados mostram a precariedade da vida desses trabalhadores, a maioria demitida “sem motivo justo” ou punida por participação em greves “de caráter violento”, na visão de seus empregadores. Muitos destes trabalhadores recebiam salários abaixo do mínimo e a exploração chegava a extremos, como no caso do processo 173/64, no qual os reclamantes afirmam que o dono do engenho obrigava-os a trabalhar oito horas por dia sem direito à alimentação durante esse período.
CONCLUSÕES:
Mesmo com a histórica dominação política, econômica e social dos latifundiários, agravada pela tomada do poder pelos militares, os trabalhadores ligados à produção açucareira continuaram buscando mudanças, inclusive por vias legais. Utilizaram ativamente o limitado espaço que tinham para denunciar as injustiças e precárias condições às quais estavam submetidos. Mesmo assim, o funcionamento da Justiça do Trabalho no Brasil deixa margem a críticas no que concerne à efetiva obtenção dos valores esperados por parte desses trabalhadores: 49,8% dos processos foram conciliados, sendo estas conciliações feitas de maneira rápida, sem o cálculo exato do valor correspondente aos direitos reclamados, e os casos de arquivamento por “não comparecimento do reclamante” aparecem com uma frequência considerável (41,78%), deixando-nos sem saber o que teria acontecido com essas pessoas. Utilizando essas fontes, percebe-se a sua relevância para o conhecimento sobre a realidade da atividade canavieira, sendo esta pouco conhecida e encoberta, até os dias atuais, pelos discursos que enfatizam o progresso econômico do país, produzidos pela classe patronal e seus aliados na política.
Palavras-chave: Trabalhador, Nazaré da Mata, Cana de Açúcar.