65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 10. Comunicação - 8. Comunicação
A DOR E A DELÍCIA DE SER O QUE É: MULHER, MÃE, PROFISSIONAL - A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE FEMININA NAS PÁGINAS DA REVISTA CRESCER
Erika Flávia Nunes de Oliveira Vasconcelos - Depto. de Comunicação Social – UFPE
Raldianny Pereira dos Santos - Profa. Dra./Orientadora - Depto. de Comunicação Social – UFPE
INTRODUÇÃO:
A pesquisa analisou a Revista Crescer partindo da pergunta: que lógica de mundo, na sociedade brasileira atual, permeia a construção da identidade feminina e como a mídia a capta, potencializa e difunde compartilhando com ela valores que nela estão fragmentados e latentes, integrando-se assim ao processo de subjetivação feminina?
As “revistas femininas” operam como estratégias de comunicabilidade entre emissores e receptores. A mídia impressa se transformou, no século XX, em uma das grandes chaves da sociedade para explicar o mundo, para “(...) acelerar ou afrouxar, talvez dirigir o fluxo das identidades sociais num sentido ou noutro” (BAUMAN, 2004: 23).
É inegável que em 40 anos se concretizaram mudanças marcantes na vida das mulheres de todo o mundo, inclusive brasileiras. Conquistaram o mercado de trabalho, com ocupação em cargos de comando, e liberação sexual e planejamento familiar com os anticoncepcionais. Entretanto, em pleno século XXI, parece que ainda estão presas ao lado nefasto desta revolução: o mito da “mulher maravilha”. Será que ao ler revistas de comportamento não nos sentimos enredadas num engodo? Será que, ao mesmo tempo em que negam, as falas dessas revistas reproduzem e reforçam o próprio mito? Foram perguntas como estas que esta pesquisa procurou responder.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Analisar como o discurso de revistas de comportamento produz identidades de gênero. Particularmente, investigar como a Revista Crescer, artefato cultural específico da imprensa brasileira, participa da construção social da identidade feminina. Por fim, avaliar se a lógica de mundo ali presente e compartilhada por produtores e consumidores reforça ou se sobrepõe ao mito da “mulher maravilha”.
MÉTODOS:
A revisão bibliográfica sobre processos sociais de subjetivação foi etapa permanente que perpassou toda a execução da pesquisa. Paralelamente, procedemos à coleta de dados. Entre janeiro de 2011 e dezembro de 2012, 24 edições foram analisadas (capas, reportagens, entrevistas, artigos, colunas e imagens). Buscou-se responder perguntas:
Qual a temática da matéria de capa? Nela destaca-se a mulher/maternidade ou o homem/paternidade?
Nas reportagens de cada edição, o foco é a mulher/mãe ou o homem/pai?
Existe algum espaço destinado exclusivamente ao homem/pai? Quais as temáticas nele abordadas?
As matérias citam fontes? Que fontes sustentam os argumentos das matérias?
As matérias analisam de forma realista os desafios da dinâmica da vida familiar?
Essas perguntas levam em conta a metodologia empreendida. Adotamos técnicas de análise do discurso, sem nos prender, no entanto, a uma análise do discurso pura. Nossa preocupação foi identificar que "vozes falam" nas matérias e que sentidos são construídos através delas. Assim, nos aproximamos do que Orlandi (2001) denomina "formações ideológicas" perseguindo uma desconstrução do discurso na tentativa de evidenciar a forma como os sentidos aparecem num determinado contexto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
As matérias de capa focam quase sempre alguma fase do desenvolvimento da criança. Das 24 edições analisadas, três fugiram a esse perfil. Nov/2011trouxe: "Mãe ou profissional? - fique com os dois". Dez/2001 focou o Natal. Ago/2011 (especial Dia dos Pais) foi a única a trazer uma figura masculina, com um bebê no colo, e o título "Como preparar seu filho para a vida".
O conteúdo foca a mulher e seu “dom natural" para conceber, gestar, parir, amamentar e cuidar dos filhos em todas as fases da vida deste ser humano dependente dela basicamente e ainda é plenamente capaz de se realizar profissionalmente sem, apesar de tudo isso, deixar de "ser mulher", ou seja, ser, estar e continuar linda e pronta para seduzir e ser seduzida, quer dizer, viver satisfatoriamente sua sexualidade, independentemente, inclusive, da quantidade de filhos e se vive ou não com o companheiro.
O homem/pai aparece muito pouco na Crescer. A coluna “Só para pais” traz a presença deles nos momentos de descontração e lazer como se esse fosse o "jeito masculino de cuidar dos filhos". O homem é colaborador da mulher, a quem cabe o cuidado diário para com a prole. E persiste uma noção antiga de superioridade do homem sobre a mulher num aspecto subjetivo da educação dos filhos: cabe a ele "preparar os filhos para a vida".
CONCLUSÕES:
A Crescer se diz capaz de ensinar mulheres e homens a maneira certa e prática de viverem suas vidas pessoal, profissional e familiar. Fischer (2005) destaca o lugar da mídia como “educadora das pessoas”. E a revista busca legitimar este “estatuto” sustentando seu discurso na opinião de especialistas como médicos, psicólogos e educadores.
A divisão sexual perpassa as falas em torno dos cuidados para com os filhos evidenciando, como tem sido secularmente, uma relação desigual na distribuição das atribuições e responsabilidades. Reproduz-se o lugar na mulher no espaço privado. Cabe a ela os cuidados diários para com as crianças, o trabalho pesado do lar, sem abrir mão do trabalho fora. E reforça-se o lugar do homem no espaço público. Cabe a ele preparar os filhos para a vida, para o mundo. O discurso é baseado em especificidades “naturais” dos sexos (PASSOS, 1999).
Essas lógicas estão difusas, até mesmo “confusas” num discurso cheio de contradições. Afinal, os materiais midiáticos e suas ideias coexistem espalhados, muitas vezes desconexos, com uma linguagem feita de palavras e de imagens que seduzem pelas combinações com que se apresentam, pelas desconstruções que praticam, pelos ecos que despertam, pelos elementos científicos implícitos que ativam (Bauman apud SCHWENGBER, 2009).
Palavras-chave: Identidades, Gênero, Revistas femininas.