65ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 7. Fisiologia - 5. Fisiologia
INTERFERINDO COM OSCILAÇÕES DE ALTA FREQUÊNCIA NO HIPOCAMPO EPILÉPTICO: CONSEQUÊNCIAS PARA AS CRISES ESPONTÂNEAS
Kelly Soares Farias - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Instituto de Cérebro.
Claudio Marcos Teixeira de Queiroz - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Instituto de Cérebro.
INTRODUÇÃO:
Crises epilépticas são eventos paroxísticos do sistema nervoso central (SNC) caracterizadas por uma descarga elétrica neuronal anormal, com ou sem perda de consciência e com sintomas clínicos variados. Nas epilepsias do lobo temporal as crises tem inicio focal, em estruturas do sistema límbico. Dados clínicos e experimentais mostram que essas regiões apresentam morte neuronal (esclerose hipocampal), reorganização sináptica (brotamento aberrante das fibras musgosas) e gliose reativa, sendo esses marcadores biológicos da zona epileptogênica. Registros extracelulares mostram que além das alterações anatômicas mencionadas acima, a zona epileptogênica também apresenta oscilações de alta frequência patológicas (pOAF). As pOAF são oscilações transientes (50 – 100 ms de duração), de baixa amplitude (200 μV - 1.5 mV) e de frequências variáveis (80 – 800 Hz). A relação entre essas oscilações e a gênese das crises espontâneas ainda e desconhecida. Paralelamente, a estimulação intracerebral (EIC) vem sendo cada vez mais utilizada no tratamento de diversas condições patológicas do SNC. Atualmente, a EIC e utilizada no tratamento de distúrbios do movimento (e.g. doença de Parkinson) e em alguns casos de dor crônica, e experimentalmente, no tratamento das epilepsias de difícil controle.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Avaliar os efeitos da EIC nas pOAF e frequência de crises espontâneas de animais cronicamente epilépticos (modelo da epilepsia do lobo temporal).
MÉTODOS:
Ratos Wistar machos adultos receberam administração de ácido caínico (12 mg/kg; ip), suficiente para induzir um estado de mal epiléptico. Após um mês, durante a fase crônica na qual crises espontâneas podem ser observadas, os animais foram anestesiados com um mistura de cetamina/xilazina (100/20 mg/kg; ip) e colocados no aparelho estereotáxico. Eletrodos bipolares (60 µm de diâmetro; aço inoxidável) foram posicionados na via perforante do hipocampo para estimulação e no giro denteado (GD) e na região de CA3 do hipocampo dorsal para registro. Após 6 dias de registro basal, um protocolo de estimulação de baixa frequência (EBF) foi aplicado por 12 horas: pulsos quadrados bifásicos (200 µs) a uma frequência de 0,2 Hz e com intensidade de 80% do valor necessário para evocar uma resposta máxima. Após o término do protocolo de estimulação, os animais continuaram a ser registrados por mais 10 dias consecutivos, sendo posteriormente perfundidos para verificação do posicionamento dos eletrodos. Os potenciais evocados, as características espectrais das pOAF e a frequência de crises espontâneas foram comparadas antes e depois do protocolo, utilizando o teste t de Student (p < 0,05).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
De fato, esse protocolo reduziu a amplitude do potencial de ação coletivo registrado no GD do hipocampo dorsal em 45% (amplitude media da primeira e da ultima hora de estimulação: 7,3 ± 3,0 mV e 4,1 ± 1,5 mV, respectivamente; p<0,05; teste t). O monitoramento continuo do potencial de campo local, realizado no GD e em CA3 simultaneamente, mostrou que o protocolo de estimulação empregado foi eficaz em (i) aumentar a duração (64,6 ± 9,3 ms vs. 70,5 ±11,5 ms) e reduzir (ii) a entropia (3,72 ± 0,28 vs. 3,58 ± 0,30), (iii) o índice pOAF (0,20 ± 0,08 vs. 0,15 ± 0,07) e (iv) o modo espectral (237,5 ± 15,8 Hz vs. 228,7 ± 15,2 Hz) das pOAF (valores do GD, expressos como media ± desvio-padrão, para os períodos “pré” e “pós” estimulação respectivamente; p<0,05; teste t). Ainda, este protocolo reduziu significativamente a frequência de crises espontâneas (1,8 ± 0,4 vs. 1,0 ± 0,3 crises/hora; “pre” e “pós” estimulação, respectivamente; p<0,05; teste t). Curiosamente, observamos um aumento na duração media das crises espontâneas após o termino do protocolo (39,7 ± 6,0 vs. 51,6 ± 12,5 s; “pre” e “pós” estimulação respectivamente; p<0,05; teste t).
CONCLUSÕES:
Estes resultados sugerem que a redução da excitabilidade neuronal, por meio de protocolos de estimulação elétrica prolongados e de baixa frequência, tem grande potencial para alterar o perfil espectral das pOAF e reduzir a frequência de crises espontâneas. Apesar de preliminar, este trabalho contribui para o desenvolvimento de novas terapias para as epilepsias baseadas em EIC. O maior proveito dessa tecnologia não se dará apenas pela redução dos custos e riscos associados a cirurgia de ressecção do foco epiléptico, mas principalmente, na recuperação da qualidade de vida de um individuo com epilepsia. Esse é o objetivo ultimo dos pesquisadores de ciência básica interessados em desenvolver novas terapias e tratamentos para essa síndrome neurológica.
Palavras-chave: Epilepsia do lobo temporal, Modelos animais, Oscilações de alta frequência.