65ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 7. Etnologia Indígena
"Caboclo anda, né?" – Os caminhos dos Kanamari do Taquara.
Mônica dos Santos Spinelli - Universidade Federal de Mato Grosso / Instituto Federal de Mato Grosso
Carmen Lucia Silva - Profa. Dra. Orientadora - Dep. Antropologia Social / UFMT
INTRODUÇÃO:
Apresenta-se parte dos resultados de estudo realizado com os Kanamari do Taquara. Foi de exercício etnográfico de conclusão do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso. Os Kanamari do Taquara vivem próximos à cidade de Carauari, igarapé Taquara, região do Médio Juruá, sudoeste amazônico. São, em sua maioria, originários do rio Xeruã, município de Itamarati. Formam a população 90 pessoas, distribuída em 17 unidades domiciliares. O sudoeste amazônico é uma região pouco estudada, no qual o índio em contato é visto como ““seringueiro”, “cabloco”, “integrado” ou “extinto”. A região Juruá-Purus é habitada por diversos grupos étnicos, dentre eles, os Kanamari. Estes por sua vez se dividem em subgrupos situados em diferentes localidades da região. Na designação nativa, cada subgrupo possui o nome de um animal seguido da palavra djapa e comungam de mesma origem mitológica e teor cultural. A língua Kanamari pertence ao tronco liguístico isolado Katukina. Praticam endo e exogamia, a descendência é patrilinear e a residência é uxorilocal. Caracterizam-se por intensa mobilidade geográfica, que abordaremos nesse presente texto. Os Kanamari do Taquara buscaram a proximidade com a sociedade nacional, vindos a co-residir nas proximidades de um centro urbano, Carauari.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Levantar e registrar a história dos Kanamari do Taquara, a partir de suas memórias narradas, buscando apontar a trajetória e mobilidade do grupo desde o seu habitat tradicional até a sua instalação nas imediações de um centro urbano.
MÉTODOS:
Para a concretização do estudo, procurei registrar a história do contato por meio das memórias narradas pelos mais velhos. Identifiquei e descrevi a partir de suas narrativas o contexto e as relações de contato interétinico entre os indígenas e a sociedade envolvente. Realizei levantamento documental e bibliográfico junto a Prelazia de Tefé e ao CIMI (Conselho indigenista Missionário) dessa cidade. A pesquisa de campo não foi realizada ininterruptamente. Contou com períodos de estada junto aos Kanamari, sendo eles, período I - entre os 25 de setembro a 05 de novembro de 2010; período II - entre os dias 09 de abril a 08 de maio de 2011 e, finalmente, período III - ocorreu entre 28 de junho e 31 de julho de 2011. Durante a estada em campo realizei levantamentos censitários, conversas informais, observações participantes e registros fotográficos. Não menos importante, houve momentos de lazer e convivência com os Kanamari. Para registro das conversas e das observações contei com o apoio de um gravador e diário de campo. Atendendo a solicitação dos indígenas, ministrei aulas de informática básica aos jovens da comunidade, utilizando do laboratório de informática cedido pela Secretaria de Esporte e Cultura da cidade de Carauari.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A mobilidade intensa é algo que marca o povo Kanamari. Com os Kanamari do Taquara essa peculiaridade não é diferente. Percebi em suas narrativas a frequente mudança de localidades de moradia. A grande maioria dos Kanamari do Taquara são ex-residentes do rio Xeruã, um dos afluentes do Juruá. Os Kanamari, por sua vez, são provenientes do município de Eirunepé, mais precisamente do rio Tarauacá. Inicialmente uma família deslocou-se do Tarauacá para o Xeruã, onde começaram a trabalhar na extração de sorva e seringa, tendo como patrão um não-indígena. Outros familiares os acompanharam formando subgrupos nessa região presentes no local até a década de 1990, submetidos à relação de exploração extrema. Com o declínio comercial destes produtos e redução do contato interétnico, parte dos Kanamari do Xeruã se deslocou para a cidade de Carauari em busca de novas oportunidades. O grupo possuidor de relação de consangüinidade e afetividade com o antigo patrão o acompanhou formando a comunidade do igarapé do Taquara/AM. Hoje, são produtores autônomos de produtos agrícolas para a cidade. Romperam com o sistema de aviamento com o antigo patrão e estabeleceram relações simétricas e independentes com a sociedade local não-indígena.
CONCLUSÕES:
A partir das narrativas dos Kanamari, concluímos que o trajeto Tarauacá – Xeruã –Taquara, possivelmente faz parte de uma das rotas tradicionais do grupo. O encontro com o antigo patrão no Xeruã possibilitou, naquele momento, a sua fixação no local devido a necessidade de relação com a sociedade nacional, cujas trocas de produtos como o sal, já havia sido inserida às necessidades primordiais dos Kanamari. A saída do Xeruã e as novas relações estabelecidas em Carauari são avaliadas por eles como positivas, sendo destacadas, a autonomia financeira, a facilidade de escoamento dos produtos, o acesso aos benefícios sociais e a constituição de relações interétnicas amistosas com o entorno. A trajetória dos indígenas do Taquara reafirma a posição de autonomia destes sujeitos. Porém, o olhar da comunidade do Taquara sobre si mesma, os colocam em uma condição de ambiguidade, enquanto os não-índios os rotulam como “bons indígenas”, trabalhadores e passível de relações sem conflitos, os Kanamari da sua região de origem não os vê como “legítimos indígenas”. Constata-se uma tensão entre os Kanamari do Taquara vistos ora índios, ora brancos, pelos Kanamari do Xeruã.
Palavras-chave: Kanamari do Taquara, Mobilidade, Relações interétnicas..