65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 5. Teoria e Análise Linguística
O TIPO DE NEGAÇÃO PRESENTE NO CORPUS DOVIC: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEMÂNTICO-SINTÁTICAS
Ana Paula dos Reis Couto - Depto. De Estudos Linguísticos e Literários - UESB
Israela Geraldo Viana - Depto. De Estudos Linguísticos e Literários - UESB
João Henrique Silva Pinto - Mestrando Linguística - PPGLIN - UESB
Cristiane Namiuti Temponi - Profa. Dra./Coorientadora - Depto. de Estudos Linguísticos e Literários – UESB
Jorge Viana Santos - Prof. Dr./Orientador – Depto. de Estudos Linguísticos e Literários - UESB
INTRODUÇÃO:
À luz da Semântica Argumentativa, podemos dizer, conforme Ducrot (1984), que a negação é um fenômeno da polifonia, visto que a ocorrência deste fenômeno deve-se a dois enunciadores, divergindo entre si: enquanto um afirma uma ideia, o outro a rebate. Conforme Mioto (1998), do ponto de vista sintático, o ato de negar é normalmente realizado na construção das línguas naturais, fazendo parte de várias operações semânticas possíveis sobre constituintes. Devido a isso, propomo-nos, a partir de nosso subprojeto de pesquisa, denominado A estrutura da negação em documentos do corpus DOViC: elementos para uma análise semântico-sintática, analisar semanticamente estruturas negativas que ocorrem no Português brasileiro. Para isso, contamos com um banco de dados proveniente do Corpus DOViC (Documentos Oitocentistas de Vitória da Conquista), pertencente ao projeto "Memória conquistense: recuperação de documentos oitocentistas na implementação de um corpus digital", coordenado por Santos e Namiuti (2009), que nos permitiu averiguar o fenômeno da negação. Com esta pesquisa, observaremos, por hora, se a negação é do tipo pré-verbal, pós-verbal, ou dupla negação, com vistas a detectar qual o tipo de negação predominante, do ponto de vista semântico (cf. DUCROT, 1994).
OBJETIVO DO TRABALHO:
Analisar semanticamente, conforme Ducrot (1984), enunciados com a estrutura negativa de maior recorrência no Corpus Dovic, visando depreender os enunciadores mobilizados. Para isso, localizaremos na amostra as estruturas sintáticas negativas recorrentes; classificaremos tais estruturas sintáticas negativas, conforme encontradas; e quantificaremos a ocorrência dessas estruturas.
MÉTODOS:
O corpus desta pesquisa constitui-se de documentos oitocentistas integrantes do Corpus DOViC. Tal corpus faz parte de um projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, intitulado "Memória conquistense: recuperação de documentos oitocentistas na implementação de um corpus digital" (SANTOS; NAMIUTI, 2009), o qual contém documentos oficiais, dentre eles, cartas de alforria, as quais nos serviram como objeto de pesquisa. Uma vez selecionadas sete cartas, datadas do século XIX, fotografadas e digitalizadas, procedemos da seguinte forma: 1) transcrevemos paleograficamente esses documentos; 2) editamos os documentos com o auxílio do Programa E-dictor (PAIXÃO DE SOUSA; KEPLER; FARIA, 2009); 3) na sequência, submetemos os textos a um outro módulo do programa E-dictor que gerou eletronicamente uma etiquetagem morfológica de cada item lexical no contexto das sentenças; 4) efetuamos uma busca automática atraves de "script" programado em linguagem Perl (NAMIUTI, 2004, 2006); 5) quantificamos as sentenças que continham negação; 6) classificamos as estruturas negativas; observando se o traço [+Neg] ocorria antes ou após o verbo, ou em ambas posições. Após esse processo, procedemos, então, à análise semântica, conforme a teoria polifônica de Ducrot (1984).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Das sete cartas analisadas, localizamos dezoito sentenças contendo negação. Nessas sentenças observamos, considerando a ordem linear da sentença, segundo Mioto (1998), que a negação sempre aparece imediatamente anteposta ao verbo, ou seja, numa posição pré-verbal (Neg-V); não encontramos o tipo pós-verbal, ou a dupla negação. Semanticamente, temos a possibilidade de três ocorrências negativas: a descritiva, a metalinguística e a polêmica (cf. DUCROT, 1984). A descritiva nos leva a um conteúdo negativo, sem oposição da fala do locutor em relação a um discurso, é apenas a descrição de um ato; por sua vez, a metalinguística é uma negação de um enunciado já ocorrido; a polêmica, finalmente, é a oposição entre dois enunciadores, mobilizados pelo locutor no discurso. Assim, em nossos dados, percebemos a proeminência da negação polêmica, como vemos no exemplo a seguir: "e não poderão meus herdeiros em tempo algum opporem-se a esta liberdade" (DOVIC). No exemplo citado, o locutor (L) mobiliza dois enunciadores, devido à polifonia existente no enunciado. De um lado o primeiro enunciador (E1) defende a possibilidade de refutação da liberdade em qualquer tempo; já o segundo enunciador (E2) contesta a possibilidade de oposição à liberdade já concedida; o locutor corrobora a posição de E2.
CONCLUSÕES:
No limite do recorte aqui proposto, os dados analisados apontam que, no âmbito da Sintaxe, registram-se dois importantes fatos: de um lado, há uma proeminência da negação antecedendo imediatamente o verbo (Neg-V); de outro, não ocorreram negações do tipo pós-verbal, nem dupla negação. Por sua vez, no âmbito da Semântica, outros dois fatos foram registrados: primeiro, não houve a ocorrência das negações metalingüística e descritiva; segundo, foi registrada a proeminência da negação polêmica, na qual o locutor mobilizou dois enunciadores, E1 e E2, contrapostos um ao outro, sendo que o E1 defendeu uma posição positiva, ao passo que o E2 defendeu uma posição negativa.
Palavras-chave: Semântica, Polifonia, Cartas de Alforria.