65ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 7. Direito do Trabalho
A possibilidade de reconhecimento de relações de emprego aos trabalhadores do sexo
Renato de Almeida Oliveira Muçouçah - Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia
INTRODUÇÃO:
A Portaria 397, do Ministério do Trabalho, de 09 de outubro de 2.002, instituiu a chamada Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que pela primeira vez reconheceu o meretrício como ocupação lícita. Segundo a classificação, profissionais do sexo são aqueles que “buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”. O direito de utilizar o próprio corpo para vender o ato sexual – e não o corpo em si – está muito mais ligado à autodeterminação sexual do que à dignidade da pessoa humana. Mutatis mutandi, um homossexual não é considerado “desonrado” ou “digno” por utilizar seu aparelho reprodutor ou o orifício anal de uma maneira diversa daquela preconizada pelas religiões, que somente enxergam no sexo dito natural e aceitável a cópula entre pênis e vagina. De antemão – e o tema será retomado alhures – o ato de prostituir-se, desde que seja consentido, voluntário, independentemente do motivo que leva a pessoa a exercê-lo, é uma profissão que se dá em benefício próprio (para auferir renda) e de terceiros (a satisfação dos desejos, consoante dito), sendo uma esfera de ação pertencente ao âmbito de liberdade da pessoa humana. Indignidade no sexo é uma ideia que remonta à era vitoriana e que permeou e permeia o imaginário social há alguns séculos, embora a prostituição exista desde a Antiguidade.
OBJETIVO DO TRABALHO:
A interpretação da liberdade, sob o viés constitucional, exige uma leitura da Carta em sua integridade, e os juízos morais daí advindos pertencem a uma moralidade constitucional coerente, de acordo com o desenho estrutural do Excelso texto. Por esta razão buscou-se verificar se os tipos penais existentes relacionados à prostituição compatibilizam-se com o reconhecimento de relações de emprego.
MÉTODOS:
No que concerne aos métodos de abordagem, fizemos uso do hipotético-dedutivo, que se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos, acerca da qual formula hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela hipótese. Este teve grande utilidade para a verificação das hipóteses advindas das lacunas da incerteza quanto à natureza do proposto conceito de contrato de emprego do profissional do sexo. Já no tocante a métodos de procedimento, o método da História Oral foi apto para a aferição do papel do trabalhador do sexo nas relações de trabalho, justamente por dar voz a quem suporta tal prática: os trabalhadores. No tocante à pesquisa de campo, esta foi realizada mediante entrevistas. Para tanto, tais entrevistas (gravadas) foram semiestruturadas e abrangeram o número de noventa trabalhadores do sexo, havendo proporcionalidade entre homens, mulheres e transexuais, bem como entre profissionais considerados mais jovens (com menos de 30 anos), mais velhos (acima dos 45 anos) e aqueles do grupo etário intermediário. Todas as entrevistas foram realizadas com trabalhadores cuja prestação de serviço se dá na cidade de São Paulo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Os tipos penais relacionados à prostituição, em que pese a alteração sofrida em 2009 (passando a denominá-los como crimes contra a dignidade sexual conferem, em boa medida, uma interpretação de duvidosa dignidade. Continuam a reproduzir a prostituição como se esta fosse, de forma presumida, sempre uma forma de exploração e aviltamento da dignidade humana. Todavia, outra redação foi dada ao crime de "casa de prostituição", que passou a considerar crime toda casa em que houver efetiva exploração sexual. Assim, a exploração sexual é uma conduta genérica, voltada a tirar proveito, abusar, lucrar mediante fraude ou engodo de pessoas, visando-se a satisfação da lascívia de outrem. O comércio sexual, porém, pode dar-se de forma voluntária, e isto a pesquisa de campo constatou entre diversos trabalhadores do sexo que trabalham nos assim chamado "bordéis". Logo, numa interpretação conforme à Constituição, que ponha em primeiro plano os direitos fundamentais, pode-se sustentar a inconstitucionalidade parcial dos dispositivos penais relacionados ao comércio sexual: deverá ser criminalizada e apenada apenas a prostituição exploratória, tenha ela como vítimas mulheres, homens ou travestis. Esta tipologia de trabalhadores do sexo, dando-se um enquadramento diferenciado a travestis (por não podermos ligá-lo ao aspecto feminino ou masculino), foi tomada como referencial para a investigação.
CONCLUSÕES:
Como se viu com as subdivisões da prostituição em distintas espécies, vê-se a absoluta adequação dos serviços oferecidos ao perfil do potencial cliente. Tal fato, embora também classificável nas modalidades de enquadramento dos crimes contra a dignidade sexual (caso haja alguém “estranho” à relação entre profissional e cliente), demonstra, per se, que o fenômeno do comércio do sexo possui facetas as mais variadas possíveis, tão ricas quanto são os desejos humanos. Por esta razão, sempre tais fenômenos, marcando suas diferenças pontuais, devem ser analisados sob um único prisma: a forma, a maneira como se dá a venda dos prazeres sexuais, o que poderá acarretar consequências jurídicas diversas para cada caso. Depois de muitos séculos, pois, deve voltar o direito a regulamentar uma das profissões mais antigas da humanidade. No entanto, ainda que não o regulamente - para um escorreito uso do poder diretivo do empregador - já se vislumbra, pela inconstitucionalidade parcial das normas penais relacionadas ao comércio sexual, a possibilidade do reconhecimento de relação de emprego e possibilidade de inserção de um grande grupo de trabalhadores no rol dos direitos sociais conferidos aos empregados em geral, de maneira a, paulatinamente, reconhecer-se um mínimo de cidadania a quem nunca a teve, seja formal ou materialmente. Portanto, o trabalho sexual poderá dar-se de forma autônoma (individual ou cooperada) ou de forma subordinada, traduzindo-se em emprego.
Palavras-chave: Prostituição, Liberdade profissional, Dignidade sexual.