65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 6. Liguística
ESTUDO INTERDISCURSIVO DE DOIS MOVIMENTOS EVANGÉLICOS
Saulo Oliveira Martins - Programa de Pós-Graduação em Linguística – PPGLin/UESB
Edvânia Gomes da Silva - Profa. Dra./Orientadora – Depto. de Estudos Linguísticos e Literários - UESB
INTRODUÇÃO:
O Brasil teve nos últimos anos um crescimento espantoso da religião evangélica, o que a tem tornado objeto de vários estudos. A esse espaço denominado “evangélico” subjazem inúmeras denominações, as quais podem, de forma geral, ser divididas em três grandes grupos: as tradicionais (também chamadas protestantes históricas), as pentecostais e as neopentecostais (seguidoras da Teologia da Prosperidade). Esses grupos têm concepções bem diversas acerca da vivência do cristianismo. Analisando os textos de matrizes oriundas de dois destes movimentos (do Tradicionalismo e da Teologia da Prosperidade) verificamos a constituição concreta de uma polêmica. Partimos da hipótese de que os dois movimentos têm um funcionamento semântico-discursivo próprio e se configuram enquanto posicionamentos específicos. Com isto em vista, propõe-se, no recorte deste trabalho, analisar enunciados que materializam essa polêmica e, dessa forma, compreender o espaço de trocas dialógico-discursivas que a constitui. Tal análise é feita com base na noção de interdiscurso e na noção de semântica global, conforme propostas por Maingueneau (1984).
OBJETIVO DO TRABALHO:
Partindo de pressupostos teórico-metodológicos da Análise de Discurso Francesa (doravante AD), principalmente no que tange à noção de interdiscurso, busca-se fazer uma análise da relação discursiva que, segundo o recorte proposto, constitui e atravessa dois movimentos religiosos das Igrejas Evangélicas, a saber: o discurso do Tradicionalismo e o da Teologia da Prosperidade.
MÉTODOS:
Nosso corpus é constituído por livros, jornais e revistas de denominações religiosas e a análise é de cunho qualitativo. A teoria e a metodologia de pesquisa utilizadas estão centradas no dispositivo teórico-analítico da AD. A análise centra-se, principalmente, na noção de interdiscurso proposta por Maingueneau (1984). Este autor propõe que o processo de polêmica entre os discursos é sempre de “interincompreensão”. Assim, um discurso só pode falar sobre sua alteridade a partir de seu próprio sistema de restrições semânticas. Dito de outra forma, um discurso, para preservar a identidade que lhe é própria no espaço discursivo, se refere a seu Outro por meio de traduções ou simulacros que faz dele. Segundo Maingueneau, cada discurso é regido ainda por uma semântica global e pode-se dizer que o caráter global dessa semântica se manifesta no fato de que ela restringe simultaneamente o conjunto dos planos discursivos. Vale ressaltar ainda, que, numa análise interdiscursiva, é o espaço de trocas entre os discursos (e não somente eles em si) que constitui a unidade de análise.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Os resultados das análises indicaram que para os seguidores da Teologia da Prosperidade, há o estabelecimento de uma relação de igualdade/reciprocidade materializado no discurso. Ou seja, entre o fiel e Deus há um trato como o de uma “relação de sociedade”. A carga semântico-discursiva da TP aproxima os enunciados produzidos dentro dela ao discurso empresarial. Dar dízimos é a garantia material que o fiel tem de saber que pode cobrar de Deus as bênçãos. Há o estabelecimento de uma relação entre situação financeira/combate espiritual e, por conseguinte, abundância/ação diabólica. Assim, se o fiel não for abençoado é por que não cumpriu sua parte na relação com Deus e deu lugar, portanto, às manifestações das forças do mal. As referências a passagens bíblicas que versam sobre a Vida Abundante implicam, nesta grade semântica, um duplo sentido espiritual/material, mas com um maior enfoque neste último. Diferentemente, nos textos produzidos no interior do Tradicionalismo observou-se a presença de um ethos de indignação em relação à TP. A ideia é a de que o enunciado “lucrar sem perda de tempo”, que cabe perfeitamente na relação capitalista/empresarial, jamais poderia ser transposto ao espaço cristão, como o estariam fazendo as igrejas evangélicas adeptas da Teologia da Prosperidade.
CONCLUSÕES:
As análises mostram que há entre os movimentos do Tradicionalismo e da Teologia da Prosperidade a constituição de uma polêmica interdiscursiva. Por conseguinte, conclui-se que ambos têm, portanto, espaços de funcionamento semântico-discursivos próprios. Utilizando o modelo de Maingueneau (1984), verificou-se que cada discurso repousa, de fato, sobre um conjunto de semas repartidos em dois registros: de um lado, semas positivos (reivindicados) e de outro, semas negativos (rejeitados): enquanto no discurso da Teologia da Prosperidade temos o funcionamento de semas ligados a uma relação de promessa/dívida, e prosperidade/ação diabólica, no simulacro desse discurso, feito pelo tradicionalismo, há o estabelecimento de semas dicotômicos ligados a Empresa(-)/Igreja(+), parceiros(-)/salvos(+), reino comercial(-)/salvação de vidas(+), comercializar(-)/salvar(+). Estes semas apontam para uma interpretação dos enunciados de seu Outro traduzidos e simulados no registro negativo de seu próprio sistema. Diríamos, por fim, que esta polêmica configura o modo como cada um dos movimentos busca fazer sua legitimação enquanto posicionamento discursivo ligado ao campo religioso e, precisamente, dentro deste lugar a que se convencionou chamar de “Evangélicos”.
Palavras-chave: Discurso Religioso, Interdiscurso, Evangélicos.