65ª Reunião Anual da SBPC
A. Ciências Exatas e da Terra - 3. Física - 2. Ensino de Física
RINDO DA CIÊNCIA: O HUMOR COMO UM CONVITE À REFLEXÃO SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA.
João Eduardo Fernandes Ramos - Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências - USP
Prof. Dr. Luís Paulo Piassi - EACH - USP
INTRODUÇÃO:
É possível rir com a ciência? Qual o valor pedagógico em se utilizar o humor como uma ferramenta didática? É sobre estas e outras questões, relativas ao humor e ao ensino de física que realizamos presente pesquisa. Mas, porque pensar no humor na educação? Primeiramente, de acordo com Larrosa (2006, p. 171) “porque em pedagogia se ri pouco.”, mesmo levando em consideração que o humor apresenta benefícios psicológicos, sociais e cognitivos (LEI et al, 2010); em segundo lugar, porque “o riso e o cômico são literalmente indispensáveis para o conhecimento do mundo e para a apreensão da realidade plena.” (ALBERTI, 2002, p. 12), ou seja, assim como a ciência o riso também é utilizado como uma maneira de ler o mundo. Além do mais, são poucos os trabalhos que relacionam o humor com o ensino de física (PETERSON, 1980; WORNER e ROMERO, 1998; GARCIA-MOLINA, 2009; ROTH, 2011). Mas, se não é na escola, onde é possível encontrar uma relação da ciência com o humor? Para isso nos voltamos para materiais artísticos presentes na mídia, como a literatura, histórias em quadrinhos e cinema. Não é de hoje que se encontram conteúdos científicos na mídia e na cultura (ZANETIC, 1989), e nelas é possível encontrar, por exemplo, reflexões sobre o fazer científico.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Objetivamos nesta pesquisa estudar a relação do humor com a física. Esperamos com isso responder: Como se caracteriza o humor na ciência, ou seja, o que torna a ciência engraçada? Que mensagem está sendo passada através do humor? E, como o humor, seja a partir de contos, romances ou tirinhas humorísticas, pode ser utilizado nas aulas de física para abordar conceitos e temáticas da física?
MÉTODOS:
Analisamos o humor e sua relação com a ciência a partir de três obras midiáticas significantes na relação entre humor e ciência: “As Cosmicômicas” de Italo Calvino obra que apresenta as aventuras cósmicas de Qwfwq, uma testemunha ocular dos primórdios do universo; “O Guia do Mochileiro das Galáxias” de Douglas Adams, que apresenta as viagens espaciais do único terráqueo sobrevivente, Arthur Dent, depois que a Terra foi destruída para a construção de uma rodovia intergaláctica; e a história em quadrinho de “Calvin e Haroldo” do cartunista Bill Watterson. A partir da leitura prévia das obras foram selecionados trechos para análise, realizada a partir da sequência proposta por Maingueneau (2004, p. 85-86), segundo o qual o texto apresenta três cenas de enunciação: a cenografia, a cena genérica e a cena englobante; e do estudo sobre o humor na linguagem. Com esta analise inicial, observamos como o conteúdo científico se fazia presente nas obras.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Na obra de Calvino, de 1965, foi possível observar uma tentativa de trazer a ciência de volta a uma visão mítica do mundo, numa tentativa de reaproximar a razão do sentimento. O humor surge aqui a partir da quebra entre a realidade científica e a ficção, o que termina sendo porta de entrada para críticas como a xenofobia, boom econômico e a relação entre ciência e sociedade. Este último ponto também é um dos focos de Douglas Adams. No Guia dos Mochileiros, publicado em 1979, o humor aparece em diversos momentos como no robô que é depressivo por possuir a personalidade humana genuína; na nave impulsionada por um gerador de improbabilidade (relação com a mecânica quântica); no personagem alienígena que se nomeou Ford (em alusão ao fordismo) por pensar que os carros eram os seres dominantes na Terra; entre outras. Já nas tiras de Calvin e Haroldo, presentes na coletânea “Deu ‘tilt’ no progresso científico”, de 1991, é possível encontrar temas científicos, desde dinossauros à relatividade e viagens no tempo. De maneira geral, as tiras apresentam uma visão de ciência ligada a imaginação. Mas junto com esta visão, surgem críticas a outros temas, que não apenas a ciência e a educação, como o machismo, como é observado em uma conversa entre Calvin e seu pai sobre a relatividade.
CONCLUSÕES:
De maneira geral observamos que as três obras apresentam o que podemos chamar de um riso reflexivo, ou seja, um tipo de humor que quer chamar a atenção para algum problema ou fato observado. Um riso que, como aponta Hegel, dialoga com a compreensão do que se está rindo. Este fato evidencia a relação do humor com o contexto no qual a obra foi produzida, onde a intenção do autor é dialogar com o seu tempo. Pelo que foi observado os temas podem ser bastante variados, como astronomia, relatividade e a mecânica quântica. De maneira geral o humor surge, nestas obras, pela quebra de expectativa, oriunda da isotopia do discurso. É a partir disto que o humor pode ser utilizado nas aulas de física, como um convite para reflexão da natureza da ciência, o que envolve, por exemplo, como a ciência é produzida e como ela se relaciona com a sociedade. E este humor pode ser utilizado, seja para iniciar uma discussão ou para exemplificar um tópico que está sendo discutido em sala de aula, em outras palavras, como um elemento problematizador da ciência.
Palavras-chave: Humor, Leitura, Natureza da Ciência.