65ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 5. Teoria e Análise Linguística
SENTIDO E ARGUMENTAÇÃO EM DOCUMENTOS DA ESCRAVIDÃO BRASILEIRA: ANÁLISE DO PARADOXO LINGUÍSTICO CONTEXTUAL EM CARTAS DE ALFORRIA DE VITÓRIA DA CONQUISTA–BA
Israela Geraldo Viana - Departamento de Estudos linguísticos e Literários – UESB
João Henrique Silva Pinto - Mestrando PPGLin – UESB
Ana Paula dos Reis Couto - Departamento de Estudos linguísticos e Literários – UESB
Jorge Viana Santos - Prof. Dr./Orientador - Depto. de Estudos Linguísticos e Literários – UESB
INTRODUÇÃO:
A escravidão no Brasil ocorreu em um cenário agromercantil, no qual a mão-de-obra era escrava africana. Esse escravo, segundo Toledo (1996 apud ZATTAR 2000, p. 18), era tratado como um objeto qualquer e poderia ser comprado, vendido, emprestado, doado, transmitido por herança, etc. como qualquer mercadoria. A alforria, que segundo SCISINIO (1997), era um título que comprovava a libertação por alforria do escravo, foi o instrumento que justificou e fortaleceu esse sistema escravocrata por quase quatro séculos. As cartas de alforria de Vitória da Conquista – BA apresentam um tipo de paradoxo linguístico que é, conforme Santos (2008), o paradoxo do liberto. Dessa forma, a liberdade garantida pela alforria era paradoxal, libertando e mantendo cativo ao mesmo tempo. Por isso, almejamos, através da análise semântica do paradoxo, contribuir para a compreensão do significado da liberdade concedida aos escravos por meio de alforrias.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Analisar paradoxos linguísticos materializados em cartas de alforria conquistenses, verificando por meio de quais encadeamentos linguísticos é possível o surgimento e o funcionamento desses paradoxos relacionados aos diferentes modos de relações entre senhores e escravos.
MÉTODOS:
O corpus desta pesquisa constituí-se de cartas de alforria oitocentistas que fazem parte do Corpus DOViC (Corpus de Documentos Oitocentistas de Vitória da Conquista). Esse corpus integra um projeto desenvolvido na UESB, intitulado "Memória conquistense: recuperação de documentos oitocentistas na implementação de um corpus digital", organizado por Santos e Namiuti (2009). Para a realização desse trabalho primeiramente, recorrendo a uma amostra de 10 cartas, fizemos a escolha das cartas a serem trabalhadas. Em seguida lemos essas cartas e, logo após, transcrevemo-nas. Depois selecionamos os enunciados que continham paradoxos linguísticos e fizemos análise do sentido da palavra livre (e cognatos) materializado nas cartas de alforria, mobilizando o conceito de paradoxo conforme Carel e Ducrot (2001) e baseando-nos em Santos (2008), no tocante ao conceito de paradoxo do liberto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Para analisarmos o sentido da palavra livre (e cognatos) materializado nas cartas de alforria conquistenses, tomamos como base a Semântica Argumentativa. Por meio dela, analisamos o paradoxo linguístico, que ocorrendo na língua, é definido por Carel e Ducrot (2001) como "ELP" "expressões linguisticamente paradoxais". O paradoxo do liberto, segundo Santos (2008), insere-se na argumentação contextual, pois historicamente, se materializa em enunciados resultantes de enunciações no contexto discursivo em que ocorre a palavra livre (e cognatos). Analisando a amostra descrita, observamos que a liberdade concedida aos escravos por alforria era paradoxal, como podemos observar no enunciado "[...] que dodia demeu falecimento emdiante fique gozando desua liberdade como sedeventre livre nassece, acompanhando me e servindo-me [...] durante minha vida [...]", que apresenta dois tempos: um hic et nunc (Futuro 1 – F1), em que a escrava ganha sua liberdade, e um segundo tempo (F2) no qual aparece a expressão "fique gozando" que projeta um presente contínuo no futuro. Assim, a escrava, juridicamente, está liberta a partir do Hic et nunc, ou, no início do F1; porém, a posse efetiva da liberdade, pela escrava, se protela para o fim do F1, ou seja, ela está livre e cativa ao mesmo tempo.
CONCLUSÕES:
Constatamos, após a realização desse trabalho, que a liberdade concedida a um escravo através de uma carta de alforria era linguisticamente paradoxal, pois o libertava tornando-o, juridicamente, uma pessoa e simultaneamente mantinha-o cativo, já que o escravo-liberto deveria cumprir a condição estabelecida na carta antes de poder ter a sua liberdade.
Palavras-chave: Liberdade, Escravo, Semântica Argumentativa.